Este blog (sobre)viverá da aplicação do Direito ao caso concreto...

27 de maio de 2015

O despedimento coletivo na jurisprudência recente do TJ (bis)

Ainda ontem nos pronunciámos aqui sobre outro Acórdão do TJ relativo a despedimentos colectivos.


No Acórdão que agora nos ocupa (30.4.2015), o TJ veio reafirmar a noção de estabelecimento (ou será de unidade económica?) como critério operativo do nível de proteção previsto na Diretiva 98/59.


Se no Acórdão de 13.5.2015 o TJ sustentou que o recurso à noção de empresa (ao invés de estabelecimento) só pode ser admitido se for mais favorável aos trabalhadores, isto é, se permitir o acesso ao regime de proteção previsto na Diretiva aos trabalhadores que, se fosse considerado o estabelecimento, não teriam direito; neste Acórdão aceita-se, por seu lado, um regime nacional que imponha o procedimento de informação e consulta dos trabalhadores, quando sejam abrangidos, pelo menos, 20 trabalhadores de um determinado estabelecimento num período de 90 dias e que o exclua quando o referido limiar não se verifique em certo estabelecimento, mas apenas no conjunto de vários estabelecimentos de uma mesma empresa.


Salvo melhor opinião, em Portugal não enfrentamos as mesmas dificuldades de Espanha e do Reino Unido.


Talvez se justificasse, no futuro, um regime harmonizado para os despedimentos por motivos objetivos, eliminando diferenças que, entre nós, não se justificam.


Arriscamos, mesmo, se não seria adequado criar um procedimento único que abrangesse a redução ou suspensão em situação de crise empresarial, o despedimento coletivo e o despedimento por extinção de posto de trabalho. Afinal, estes três procedimentos partilham (i) uma parte essencial dos motivos, (ii) preocupações pela oportunidade de defesa do trabalhador, (iii) a intervenção das estruturas representativas dos trabalhadores, (iv) a participação de autoridades laborais (embora nem sempre as mesmas) e (v) o dever de fundamentação da decisão.


Podia ser um passo na via da simplificação da legislação laboral.


Nota: cfr. Diretiva.

26 de maio de 2015

O despedimento coletivo na jurisprudência recente do TJ

Num Acórdão muito recente, o TJ apreciou a adequação do regime espanhol à Diretiva 98/59/CE, a qual visa proteger os trabalhadores em caso de despedimentos coletivos, tendo apontado, no essencial, duas diretrizes de interpretação, a saber:




a) A unidade de referência para a definição de um despedimento coletivo deve ser o estabelecimento ao qual o trabalhador está afecto, salvo se a consideração a consideração da empresa (em substituição do estabelecimento) facilitar o acesso à informação e consulta dos representantes dos trabalhadores; e




b) A cessação de contratos de trabalho a prazo ou à tarefa no respetivo termo ou com o cumprimento da tarefa não deve ser considerada para efeitos da determinação do limiar do despedimento coletico. De acordo com o TJ, nestes casos o contrato não cessa por iniciativa do empregador, mas por força de cláusulas contratuais ou da lei aplicável.




No que toca à primeira diretriz, sem prejuízo de uma análise mais aprofundada, parece-nos que esta jurisprudência não impõe a alteração do regime português (ao contrário do que provavelmente sucederá em Espanha). Com efeito, a articulação entre a referência à empresa (micro, pequena, média e grande empresa) e um limiar de admissibilidade favorável ao despedimento coletivo (2 trabalhadores em empresa até 49 trabalhadores e 5 trabalhadores em empresa com 50 ou mais trabalhadores) pode acomodar a jurisprudência europeia.




O Acórdão suscita, todavia, duas questões adicionais face à lei portuguesa.




Por um lado, não deveria existir um procedimento único de cessação do contrato de trabalho por motivos ligados à empresa?




É certo que o Acórdão do Tribunal Constitucional sobre a Reforma Laboral de 2012 insiste na divisão (artificial) entre despedimento por extinção de posto de trabalho e despedimento coletivo.




Todavia, não seria de quebrar a situação (caricata) de imposição um procedimento mais rígidio nos despedimentos de 4 trabalhadores em empresa com 50 trabalhadores do que de 2 trabalhadores em empresa com 49 trabalhadores, sendo que, em Portugal, a esmagadora maioria são micro e pequenas empresas?




Por outro lado, a referência à empresa abrange uma sucursal de sociedade estrangeira? Por outras palavras, o limiar de admissibilidade do despedimento coletivo deve ser calculado com base na organização laboral que desenvolve a sua atividade em Portugal, ainda que não tenha uma personalidade distinta da sociedade estrangeira, por exemplo, com sede em França?




No que toca à segunda diretriz, parece-nos que o TJ andou bem. Contudo, deixou uma questão em aberto em relação a casos anteriores: o TJ não deveria adotar idêntico entendimento no caso dos acordos de revogação do contrato de trabalho que, para efeitos do subsídio de desemprego, têm de fazer menção aos motivos que justificariam o recurso à extinção de posto de trabalho e ao despedimento coletivo?




São algumas pistas de reflexão. Todos os comentários e críticas serão bem-vindos.



25 de maio de 2015

A segurança e saúde no trabalho: custo laboral ou instrumento de gestão?


Numa primeira análise, o trabalhador obriga-se a prestar a sua atividade em benefício do empregador, recebendo em troca uma remuneração. Todavia, numa apreciação mais atenta, não podemos deixar de admitir que o trabalhador coloca-se ao serviço de outrem, a quem compete definir e dirigir, dentro de certos condicionalismos, a atividade laboral. Atendendo à necessidade de tutela dos direitos de personalidade do trabalhador, compete ao empregador (i) proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral, (ii) prevenir riscos e doenças profissionais, (iii) adotar as medidas necessárias em sede de segurança e saúde no trabalho; (iv) fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidente ou doença; e (v) realizar, nomeadamente, exames de saúde de admissão, periódicos e ocasionais.
Ora, os exames de saúde de admissão devem ser realizados antes do início da prestação de trabalho ou, se a urgência da admissão o justificar, nos 15 dias seguintes; por seu lado, os exames periódicos devem ser realizados anualmente para os menores e para os trabalhadores com idade superior a 50 anos e de 2 em 2 anos para os restantes trabalhadores; por fim, os exames ocasionais devem ter lugar sempre que haja alterações substanciais nos componentes materiais de trabalho que possam ter repercussão nociva na saúde do trabalhador e, em especial, no caso de regresso ao trabalho depois de uma ausência superior a 30 dias por motivo de doença ou acidente. Sobre este último caso, recordamos um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.10.2014 analisado neste espaço em novembro passado.
E face dos resultados dos exames, o médico do trabalho deve comunicar ao empregador se o trabalhador está ou não apto para o trabalho. Caso se considere que o trabalhador não está apto e não existam outras funções que aquele possa desempenhar, parece-nos que se verifica um impedimento temporário que, caso se prolongue – ou seja expectável que se prolongue – por mais de um mês, deve determinar a suspensão do contrato de trabalho.
Ora, durante a suspensão: (i) mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho (ex.: o dever de respeito e de tratamento com urbanidade e probidade e o dever de lealdade); (ii) suspende-se, nomeadamente, o dever de pagar a retribuição; (iii) a antiguidade continua a ser contabilizada, tendo, por exemplo, reflexos no valor da indemnização ou compensação a pagar em caso de cessação do contrato de trabalho; e (iv) não é prejudicado o decurso do prazo de caducidade, nem se obsta a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais.
Situações recentes colocam na ordem do dia a questão da importância de um sistema de segurança e saúde no trabalho organizado e sistematizado – com respeito pela reserva da vida privada e pelo dever de sigilo profissional – que transforme um custo para as empresas num instrumento de gestão de recursos humanos efetivo, com redução de riscos para o próprio trabalhador, para os seus colegas e para terceiros.


Nota 1: publicado no Jornal OJE no dia 21.5.2015.
Nota 2: em coautoria com Maria Paulo Rebelo.

O LinkedIn e a violação de cláusulas de não concorrência

Pode a atualização do seu novo empregador por parte de um Trabalhador no LinkedIn traduzir-se numa violação de uma cláusula de não concorrência? Esta foi a questão levantada recentemente nas instâncias judiciais superiores dinamarquesas, promovendo uma discussão interessante.
Na maioria dos ordenamentos jurídicos, incluindo Portugal, é possível celebrar cláusulas de não concorrência nos contratos de trabalho, nos seus aditamentos ou no acordo de revogação do contrato de trabalho. Estas cláusulas de limitação da liberdade de trabalho visam impedir que um trabalhador se desvincule de um empregador para integrar os quadros de um empregador concorrente durante um determinado período de tempo, em benefício próprio ou do novo empregador, aproveitando-se dos conhecimentos específicos adquiridos. Sem esta limitação, o empregador não terá qualquer incentivo para investir na formação e qualificação de um trabalhador, se este for livre na desvinculação e na utilização do know-how adquirido na concorrência.
No referido caso dinamarquês, dois trabalhadores desvincularam-se de um empregador e, como tinham de dar cumprimento a uma cláusula de não concorrência, acordaram com o novo empregador que a relação de trabalho apenas iria começar após o fim do período aí previsto. No entanto, estes trabalhadores decidiram atualizar logo as suas novas funções no LinkedIn com a indicação do novo empregador. Em consequência deste comportamento, o anterior empregador apresentou uma ação judicial contra os trabalhadores referindo que, na atividade em causa, a prévia divulgação da sua contratação nesta rede social iria beneficiar o novo empregador.
O Tribunal de primeira instância deu razão ao anterior empregador. Em sentido contrário, a instância de recurso decidiu que a atualização do perfil no LinkedIn não constitui prestação de atividade para o novo empregador, pelo que não foi violada a cláusula de não concorrência.
Estamos efetivamente perante uma violação da cláusula de não concorrência? À partida não. Contudo, a decisão terá de depender dos efeitos provocados em concreto pela atualização do LinkedIn. Imaginemos, por exemplo, que esta alteração promove a automática perda (ou desvio) de clientes por parte do empregador anterior por fidelização ao trabalhador. Neste caso, pese embora o trabalhador não estivesse ainda vinculado ao novo empregador, a divulgação de tal informação numa rede social de carácter profissional poderá constituir uma violação de cláusula de não concorrência.
Assim, apenas analisando cada caso concreto é que podemos perceber se estamos perante um incumprimento destas cláusulas. Mas fica aqui a curiosidade sobre o comportamento dos tribunais portugueses em situações semelhantes.


Nota 1: publicado no Jornal OJE no dia 14.5.2015.
Nota 2: em coautoria com Duarte Abrunhosa e Sousa.

Formação profissional e certificação de entidades formadoras


O trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de 35 horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a 3 meses, um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano. Esta atividade pode ser desenvolvida pelo empregador, por entidade formadora certificada ou por estabelecimento de ensino reconhecido e dá lugar à emissão de um certificado de formação profissional.
Cumpre mencionar, sumariamente, alguns aspetos do regime da certificação de entidades formadoras – previsto na Portaria n.º 851/210, de 6 de setembro, alterada e republicada pela Portaria n.º 208/2013, de 26 de junho –, no âmbito do Sistema Nacional de Qualificações (SNQ) – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de dezembro.
Em geral, a certificação de entidades formadoras visa promover o reconhecimento da qualidade dos serviços e das atividades formativas e constitui uma condição de acesso a financiamento público de atividades formativas.
Em 2013, foram introduzidas diversas alterações com os seguintes objetivos: (i) consagrar um regime-quadro para o exercício da atividade, sem prejuízo de concretizações sectoriais; (ii) simplificar o procedimento de certificação de entidades formadoras estabelecidas noutros Estados-membros do Espaço Económico Europeu; e (iii) nos casos em que a certificação não constitui requisito de acesso e exercício de determinada atividade, permitir que a entidade interessada possa requerer a certificação facultativa no âmbito da política de qualidade dos serviços.
A Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) surge, em termos gerais, como entidade competente para a certificação de entidades formadoras, sem prejuízo da certificação sectorial por outros organismos públicos, nomeadamente nas seguintes áreas: (i) treinador de desporto (Lei n.º 40/2012, de 28 de agosto); (ii) diretor técnico e técnico de exercício físico (Lei n.º 39/2012, de 28 de agosto); (iii) técnico de higiene e segurança no trabalho e técnico superior de higiene e segurança no trabalho (Lei n.º 42/2012, de 28 de agosto); e (iv) mergulhador profissional (Decreto-Lei n.º 12/94, de 15 de janeiro).
Para além destas entidades, o sistema de certificação de entidades formadoras inclui, ainda, um conselho de acompanhamento, de natureza consultiva, que integra representantes da DGERT, da Agência Nacional para a Qualificação e Ensino Profissional (ANQEP), do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), do Programa Operacional Potencial Humano (POPH), do Instituto de Gestão Financeira do Fundo Social Europeu (IGFFSE), dos membros do governo, das confederações sindicais e das confederações patronais.
Segundo dados recentes, existem cerca de 2100 entidades formadoras registadas (aproximadamente 1400 certificadas e 700 acreditadas ao abrigo da anterior legislação), sendo possível identificar algumas áreas de formação com maior procura de certificação, a saber: (i) informática na ótica do utilizador; (ii) desenvolvimento pessoal; (iii) comércio; (iv) gestão e administração; (v) cuidados de beleza; e (vi) segurança e saúde no trabalho.
A formação profissional é fundamental para a promoção da produtividade das empresas, bem como para a melhoria dos níveis de empregabilidade dos trabalhadores. Nesse sentido, o conhecimento aprofundado do respetivo regime jurídico afigura-se como essencial.


Nota 1: publicado no Jornal OJE no dia 7.5.2015.
Nota 2: em coautoria com Pedro Silva Vieira.

O Conselho da Europa, as relações laborais e a proteção de dados pessoais

No passado dia 1 de abril, o Comité de Ministros do Conselho da Europa aprovou uma Recomendação sobre o Processamento de Dados Pessoais em Contexto Laboral aplicável às relações laborais privadas e públicas, bem como à atividade de agências de emprego públicas ou privadas, salvo se a lei interna dos Estados–membros dispuser de modo diferente.

Pretendemos apenas dar nota de alguns aspetos desta Recomendação – por enquanto sem natureza vinculativa para os particulares –, a qual está dividida em duas partes: (i) princípios gerais; e (ii) formas particulares de processamento de dados.

Na primeira parte, podemos encontrar, por exemplo, as seguintes diretrizes:

a) O Empregador deve abster-se de requerer ou pedir a trabalhador ou a candidato a emprego acesso a informação partilhada online, nomeadamente em redes sociais (ex.: Facebook, Twitter, Instagram);

b) Um trabalhador ou um candidato a emprego deve responder a questões sobre o seu estado de saúde ou ser sujeito a exames, desde que as informações sejam necessárias, nomeadamente, para verificar a adequação ao posto de trabalho (por exemplo, técnico de radiologia) ou para atribuir benefícios sociais (por exemplo, apoio para creche ou infantário); e

Na segunda parte, a Recomendação cuida, designadamente, das questões do uso da Internet e das comunicações eletrónicas nos locais de trabalho, dos sistemas e tecnologias de informação (incluindo a videovigilância), dos equipamentos de geolocalização, dos procedimentos de reporte interno, dos dados biométricos e da realização de exames psicológicos.

Aqui, podemos destacar, particularmente, as seguintes indicações:

a) O processamento de dados sobre o acesso a páginas de Internet ou de Intranet pelos trabalhadores deve privilegiar a utilização de medidas preventivas (ex.: filtros);

b) O acesso às comunicações eletrónicas profissionais dos trabalhadores, ainda que estes tenham sido informados previamente sobre essa possibilidade, pode ocorrer apenas quando seja necessário e justificado por razões de segurança ou outras igualmente legítimas;

c) No caso de cessação do contrato de trabalho, o empregador deve tomar as medidas necessárias para desativar automaticamente a conta de e-mail do trabalhador. A recolha de informações deve ocorrer antes da saída do trabalhador e, se possível, na sua presença;

d) A utilização de sistemas e tecnologias de informação, incluindo a videovigilância, e de sistemas de geolocalização deve ser justificada pela proteção da produção, segurança e saúde ou gestão eficiente da organização e não como meio de vigilância dos trabalhadores;

e) Os procedimentos internos de denúncia de atividades ilícitas ou antiéticas devem assegurar a confidencialidade sobre a identidade do trabalhador que participa o facto;

f) A recolha de dados biométricos deve ser realizada apenas quando seja necessária para proteger interesses legítimos do empregador, dos trabalhadores ou de terceiros, desde que não haja meios menos intrusivos; e

g) A realização de testes, análises ou procedimentos similares para avaliar o carácter ou a personalidade do trabalhador ou do candidato a emprego é apenas admissível quando seja legítima e necessária atendendo ao tipo de atividades compreendidas na categoria profissional em apreço.

Na semana passada surgiram algumas opiniões no seguinte sentido: o empregador está proibido de vigiar as redes sociais e de aceder aos e-mails dos trabalhadores, por força desta Recomendação. Salvo o devido respeito, parece-nos uma conclusão algo precipitada atendendo ao teor daquele documento. Tal interpretação levaria, no limite, a considerar uma rede social como espaço de impunidade, ainda que de acesso geral ou público, ou a admitir que o e-mail profissional não seria acessível ao empregador, ainda que contivesse, por exemplo, informações comerciais indispensáveis à atividade habitual da empresa e o trabalhador tivesse sido informado sobre essa possibilidade.

Em todo caso, estas orientações, embora possam não constituir novidade entre nós, geram desafios permanentes às organizações laborais.



Nota 1: publicado no Jornal OJE no dia 30.4.2015.


Nota 2: cfr, ainda, Recommendation CM/Rec(2012)4 of the Committee of Ministers to member States on the protection of human rights with regard to social networking services e Convention for the Protection of Individuals with regard to Automatic Processing of Personal Data (CETS No.: 108).

Promoção da natalidade em debate no Parlamento


Nas últimas semanas, a discussão de políticas públicas de promoção da natalidade tem sido objeto de atenção redobrada. Com efeito, está em discussão no Parlamento um conjunto amplo de medidas que visam a promoção da natalidade.
Para os trabalhadores em funções públicas, propõe-se uma nova modalidade de horário de trabalho designada de "meia jornada" que consiste na redução em 50% do período normal de trabalho a tempo completo. O trabalhador mantém o direito a 60% do montante da remuneração que auferia, não sendo prejudicado na antiguidade. São elegíveis os trabalhadores (i) com 55 anos ou mais à data em que requeiram a meia jornada e com netos menores de 12 anos ou (ii) com filhos menores de 12 anos ou com deficiência ou doença crónica independentemente da idade. O superior hierárquico deve fundamentar, por escrito, a decisão de indeferimento.
Quanto aos trabalhadores do sector privado, estão em debate restrições à flexibilização dos horários de trabalho, nomeadamente: (i) o trabalhador com filho menor de 3 anos de idade só ficará abrangido pela adaptabilidade ou pelo banco de horas grupal (i.e., alargamento unilateral do regime a trabalhadores não abrangidos) quando manifeste, por escrito, a sua concordância; e (ii) o banco de horas individual, estabelecido atualmente por acordo entre o empregador e o trabalhador, pode passar a depender de previsão em instrumento de regulamentação coletiva (ex.: acordo de empresa).
Podemos destacar, ainda, as seguintes propostas: (i) a mãe e o pai trabalhadores poderão partilhar, separada ou simultaneamente, a licença parental inicial de 120 ou 150 dias; (ii) a licença parental exclusiva do pai será alargada de 10 para 15 dias úteis, seguidos ou interpolados; (iii) o trabalhador com responsabilidades familiares que opte pelo trabalho a tempo parcial ou em regime de horário flexível não poderá ser penalizado na progressão na carreira; (iv) o agravamento da responsabilidade contraordenacional pela violação do dever de comunicação da não renovação do contrato de trabalho de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE); e (v) a atribuição do direito a exercer funções em regime de teletrabalho ao trabalhador com filho até 3 anos, desde que compatível com a sua atividade.
Ainda neste âmbito, propõe-se a exclusão do acesso a subsídios e subvenções públicas das empresas condenadas por sentença transitada em julgado por despedimento ilegal de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante. Estas sentenças devem ser comunicadas pelos tribunais à CITE.
Por último, está em discussão a criação da Comissão Especializada Interdisciplinar Permanente para a Natalidade no seio do Conselho Económico e Social – órgão de consulta e concertação no domínio das políticas económica e social, constitucionalmente previsto –, a qual será responsável pelo desenvolvimento de um conjunto de atividades que favoreçam a adoção de medidas a favor da família e da natalidade em Portugal.
Acreditamos que o Conselho Económico e Social, cujo presidente é eleito pela Assembleia da República, bem como as comissões de trabalhadores, as associações sindicais e as associações de empregadores tenham sido (ou venham a ser) consultados sobre estas propostas e que, dessa forma, possam contribuir para o enriquecimento do debate sobre estes temas.
Não podemos deixar de manifestar algumas dúvidas sobre a resolução da questão da natalidade por decreto com medidas laborais pontuais, sem uma recuperação económica que permita a criação de emprego de forma sustentada e sólida.


Nota 1: publicado no Jornal OJE no dia 21.4.2015.
Nota 2: em coautoria com Inês Garcia Beato.
Nota 3: cfr. alguns documentos aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

As férias dos trabalhadores no sector privado


O mapa de férias dos trabalhadores deve ser afixado nos locais de trabalho a partir de amanhã e até ao dia 31.10.2015. Cumpre, por isso, fazer uma breve referência a algumas regras relativas ao direito a férias, sem prejuízo das particularidades previstas em convenção coletiva de trabalho.
O trabalhador tem direito a um período mínimo de férias de 22 dias úteis, que se vence no dia 1 de janeiro de cada ano civil e, em regra, se reporta ao trabalho prestado no ano anterior.
No ano de admissão, o trabalhador tem direito a 2 dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, com o limite de 20 dias. Ainda assim, no dia 1 de janeiro do ano seguinte, o trabalhador adquire o direito a um período adicional de 22 dias úteis de férias. Por outras palavras, o legislador trata de forma particularmente benemérita – à custa do empregador e dos demais colegas – os trabalhadores recentemente contratados.
O trabalhador pode renunciar ao gozo de férias que excedam 20 dias úteis, nomeadamente para substituir a perda de retribuição por motivo de faltas.
Em regra, as férias devem ser marcadas por acordo entre o empregador o trabalhador. Todavia, na falta de acordo, cabe ao empregador decidir (após consulta da estrutura de representação coletiva dos trabalhadores), considerando o seguinte: (i) o início das férias não pode ocorrer em dia de descanso semanal do trabalhador; (ii) as férias devem ser marcadas no período compreendido entre 1 de maio e 31 de outubro (salvo, por exemplo, atividades ligadas ao turismo); (iii) deve ser assegurado o gozo de, pelo menos, 10 dias úteis consecutivos de férias; (iv) os períodos mais pretendidos devem ser divididos pelos trabalhadores em função dos períodos gozados nos últimos dois anos e, por outro lado; (v) privilegiando os trabalhadores casados, unidos de facto ou que vivam em economia comum, os quais têm direito a gozar férias em período idêntico, salvo em caso de prejuízo grave para a empresa.
O empregador pode encerrar a empresa ou o estabelecimento, total ou parcialmente, para férias dos trabalhadores, por exemplo, na época das férias escolares do Natal e um dia que esteja entre um feriado que ocorra à terça-feira ou quinta-feira e um dia de descanso semanal ("ponte"). Neste segundo caso, o empregador deve informar, até 15 de dezembro os trabalhadores sobre o encerramento a efetuar no ano seguinte.
As férias devem ser gozadas no próprio ano civil em que se vencem ou até 30 de abril do ano civil seguinte, em caso de acordo ou quando o trabalhador pretenda gozar as férias com familiar residente no estrangeiro.
Por fim, o trabalhador não pode exercer durante as férias qualquer outra atividade remunerada, salvo quando já a exerça cumulativamente ou o empregador o autorize. A violação desta regra constitui ilícito disciplinar e o empregador tem o direito a reaver a retribuição correspondente às férias e o respetivo subsídio, metade dos quais reverte para o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
Para este efeito, o empregador pode proceder a descontos na retribuição, até ao limite de 1/6, em relação a cada um dos períodos de vencimento posteriores.


Nota 1: publicado no Jornal OJE no dia 14.4.2015.
Nota 2: em coautoria com Inês Garcia Beato.

Os detetives privados e os ilícitos disciplinares

Em Espanha, os serviços de investigação privada – a cargo de detetives privados – estão regulados por lei e consistem na realização das diligências necessárias para a obtenção de informações e provas sobre comportamentos ou factos privados, nomeadamente, nos domínios económico, laboral, mercantil, financeiro e, em geral, no âmbito da vida pessoal, familiar ou social. Estes serviços de investigação privada devem ser exercidos com respeito pelos princípios da razoabilidade, necessidade, idoneidade e proporcionalidade.

Em caso algum podem ser investigados os factos da vida íntima que ocorram nos domicílios ou noutros lugares reservados, nem tão pouco serem utilizados meios que possam atentar contra os direitos à honra, à intimidade pessoal ou familiar, à imagem ou ao segredo das comunicações e da proteção de dados.

Ora, no último trimestre de 2014, o Supremo Tribunal de Espanha considerou que o relatório elaborado por um detetive privado contratado pelo empregador tem natureza de prova testemunhal, deve ser confirmado em juízo pelo seu autor, sendo apreciado livremente pelo tribunal.

No caso, o empregador pretendia verificar se o representante sindical, eleito pelos trabalhadores da empresa, não utilizava o crédito de horas para fins pessoais ou estranhos à atividade sindical.

Este conflito laboral coloca uma questão: será admissível, à luz da lei portuguesa, recorrer a detetives privados para apurar factos que podem constituir ilícitos disciplinares e, dessa forma, sustentar uma decisão de despedimento com justa causa?

De acordo com a Constituição da República Portuguesa e com o Código de Processo Penal, são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa.

São consideradas ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com o consentimento delas, mediante: a) perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos; b) perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação; c) utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei; d) ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto; e) promessa de vantagem legalmente inadmissível.

No que toca às provas obtidas através da intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, devemos atender às circunstâncias do caso concreto para saber se o meio de obtenção é abusivo ou sem o consentimento do respetivo titular.

Num acórdão recente, o Tribunal da Relação do Porto (25.2.2015) considerou que a "obtenção de fotografias ou de filmagens, sem o consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, nomeadamente quando [aquelas] estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente", ainda que não tenham sido licenciadas pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, não constituem provas ilícitas e, como tal, podem ser utilizadas judicialmente.

Ora, não vemos razão para ser mais exigente com as provas produzidas em processo laboral do que em processo penal.

Destarte, apesar desta atividade profissional não se encontrar suficientemente regulada – o que permitiria alcançar maior segurança jurídica e reduzir (eventuais) abusos –, parece-nos que não será de recusar, à partida e dentro de certas condições, a prova produzida com o auxílio de detetives privados.



Nota 1: publicado no Jornal OJE no dia 7.4.2015.

Nota 2: em coautoria com Maria Paulo Rebelo.

Profissões Especializadas: simplificação do acesso e exercício


Em 2013, foi aprovada a primeira lei-quadro aplicável a todas as associações públicas profissionais (Ordens e Câmaras Profissionais), as quais autorregulam o acesso e exercício de profissões especializadas (ex.: médicos, engenheiros, advogados e notários). Este regime visou garantir (i) a transparência e a disponibilização de informação (ex.: registo público e atualizado dos respetivos membros e sociedades de profissionais e provedor do cliente), (ii) a redução dos requisitos de acesso à profissão (ex.: excecionalmente pode ser admitido um exame de final de estágio), (iii) a limitação da duração dos estágios a 18 meses, (iv) a abertura do capital e da administração de sociedades de profissionais a pessoas de fora da profissão e (v) maior liberdade em matéria de publicidade.
As propostas de revisão dos estatutos das Ordens e Câmaras Profissionais estão, neste momento, em discussão no Parlamento; como tal, todos os interessados podem (e devem) participar ativamente neste processo.
Para além destas, existe um vasto conjunto de profissões cujo acesso e exercício depende da titularidade de qualificações profissionais ou do reconhecimento de qualificações profissionais adquiridas no estrangeiro (ex.: auditor energético e autor de planos de racionalização no âmbito do Sistema de Gestão dos Consumos Intensivos de Energia (SGCIE), instalador de infraestruturas de telecomunicações em edifícios (ITED), instalador de redes de gás, motorista de táxi e jornalista).
No início deste mês foi publicado o regime jurídico que visa reger o acesso e exercício destas profissões, o qual deixa claro que os regimes profissionais devem resultar apenas de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo autorizado pela Assembleia da República. Por conseguinte, fica vedada a consagração de requisitos de acesso ou de exercício por atos ou regulamentos administrativos – por exemplo, do Governo ou das Autarquias Locais.
Por outro lado, não é possível fixar qualquer limite quantitativo no acesso à profissão (ex.:, até 300 instaladores de redes de gás) ou restrição territorial (ex.:, até 30 instaladores de redes de gás no distrito de Lisboa).
Neste novo regime, a Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) surge como entidade especializada neste domínio, competindo-lhe prestar apoio técnico ao Governo e a outras entidades públicas que o solicitem.
A Direção-Geral do Ensino Superior (DGES) e a Agência Nacional para a Qualificação e Ensino Profissional, I.P. (ANQEP, I.P.), no âmbito das respetivas competências, participam igualmente neste sistema de acompanhamento e revisão dos regimes de acesso e exercício de profissões com o objetivo de eliminação de barreiras ou restrições injustificadas.
Por último, este novo regime prevê um procedimento de substituição dos certificados de aptidão profissional (CAP) ou das carteiras profissionais por diplomas de qualificações a emitir pela ANQEP, I.P..
Compete, agora, aos interessados verificar se os requisitos exigidos para determinada profissão são desproporcionais, constituindo entraves injustificados à entrada no mercado de trabalho


Nota 1: publicado no Jornal OJE de 31.3.2015.
Nota 2: em coautoria com Maria Paulo Rebelo.
Nota 3: cfr., ainda, DL n.º 92/2011.

Novas medidas ativas de emprego: igualdade, mobilidade e estágios

Na passada 6.ª feira foram publicadas três novas medidas ativas de emprego: (i) Promoção de Igualdade de Género no Mercado de Trabalho; (ii) Apoio à Mobilidade Geográfica no Mercado de Trabalho; e (iii) Reativar.

A primeira medida pretende combater a discriminação entre homens e mulheres no mercado de trabalho, através da concessão ao empregador de um apoio financeiro que visa incentivar a contratação de desempregados do sexo sub-representado em determinada profissão, de acordo com a lista a divulgar pelo Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP).

O apoio consiste numa majoração do incentivo concedido pela medida Estímulo Emprego ou por futuras medidas ativas de emprego financiadas pelo IEFP que não excluam a majoração, nos seguintes termos: 20% (celebração de contrato de trabalho a termo) e 30% (contrato de trabalho sem termo ou conversão de contrato a termo em contrato sem termo).

A segunda medida visa, nomeadamente, apoiar a mobilidade geográfica dos recursos humanos e criar condições favoráveis à aceitação de ofertas de emprego por parte de desempregados e à criação do próprio emprego.

Para este efeito são elegíveis (i) as pessoas inscritas, há pelo menos 3 meses, como desempregadas no IEFP e (ii) os trabalhadores com contrato de trabalho suspenso com fundamento no não pagamento pontual da retribuição. A candidatura deve ser apresentada pelo interessado no portal do IEFP.

Esta medida compreende (i) um apoio à mobilidade geográfica temporária, no caso de celebração de contrato de trabalho com duração superior a 1 mês, cujo local de trabalho diste, pelo menos, 50 km da residência do desempregado e (ii) um apoio à mobilidade geográfica permanente, no caso de mudança de residência e celebração de contrato de trabalho com duração igual ou superior a 12 meses ou criação do próprio emprego, cujo local de trabalho ou de criação do próprio emprego diste, pelo menos, 100 km da anterior residência do desempregado.

Esta medida é cumulável com outras medidas ativas de emprego, designadamente: (i) Estímulo Emprego; (ii) Incentivo à Aceitação de Ofertas de Emprego; e (iii) Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego (aqui e aqui).

No caso de mobilidade temporária, o apoio corresponderá a 50% do Indexante dos Apoios Sociais (IAS) (209,61 euros), por mês ou fração, até 6 meses.

No caso de mobilidade permanente, o apoio compreenderá ainda a comparticipação nos custos da viagem dos membros do agregado familiar para a nova residência e nos custos de transporte dos bens para a nova residência.

A terceira medida visa promover a reintegração profissional de desempregados de longa duração e de muito longa duração.

São elegíveis as pessoas inscritas no IEFP há, pelo menos, 12 meses, como desempregadas, com idade mínima de 31 anos, que não tenham sido abrangidos por uma medida de estágios financiados pelo IEFP nos 3 anos anteriores e que tenham uma qualificação mínima correspondente ao 3.º ciclo do ensino básico, ou que se encontrem integrados num processo de reconhecimento, validação e certificação de competências para elevar o seu nível de qualificação.

O estagiário tem direito a (i) bolsa de estágio (com o valor mínimo de 419,22 euros), (ii) refeição ou subsídio de alimentação, (iii) transporte ou subsídio de transporte em certos casos, e (iv) seguro de acidentes de trabalho. Estes benefícios devem ser concedidos pela entidade promotora. Todavia, o IEFP concede uma comparticipação que abrange: (i) entre 65% e 80% da bolsa, com possibilidade de majoração em casos especiais (por exemplo, pessoas com 45 anos de idade ou mais); (ii) um valor para subsídio de refeição correspondente ao atribuível aos trabalhadores que exercem funções públicas; (iii) um valor para o transporte no valor de 10% do IAS (41,92 euros); e (iv) um valor para o seguro de acidentes de trabalho no valor de 3,296% do IAS (13,82 euros).



Nota: publicado no Jornal OJE no dia 25.3.2015.

Conversão de contrato de trabalho sem termo em contrato de trabalho a "prazo"


Num acórdão recente (23.2.2015), o Tribunal da Relação do Porto (TRP) considerou que a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado (ou sem termo) não impede, só por si, a celebração, durante a sua vigência, de um contrato de trabalho a termo (ou a "prazo"), desde que este seja (i) formal e materialmente válido e (ii) não vise iludir as disposições que regulam o contrato por tempo indeterminado.
Este acórdão teve por base, entre outros, os seguintes factos: (i) o trabalhador exercia, desde 1996, as funções de bombeiro voluntário ao serviço do empregador; (ii) em 2007, as partes celebraram um contrato de trabalho a termo certo para as funções de motorista; em 2009, as partes celebraram novo contrato de trabalho a termo para o exercício das funções de bombeiro.
Assim, colocava-se a questão de saber quais eram as consequências da celebração, em 2009, de um contrato de trabalho a termo, quando, nesse momento, o anterior contrato de trabalho já se tinha convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado ou sem termo.
Em 2001, a lei determinava a nulidade da estipulação do termo num contrato de trabalho que tivesse sido celebrado ou convertido em contrato de trabalho sem termo. Por outras palavras, a partir do momento em que o trabalhador assumia esse estatuto jurídico reforçado – trabalhador "efetivo" da empresa ou "pertencente aos quadros" –, o contrato não poderia voltar a ter a natureza de contrato a termo.
Sucede que o Código do Trabalho de 2003 – e as suas posteriores alterações, em especial, na versão de 2009 – deixaram de consagrar a referida norma. Assim, a jurisprudência, não apenas no Acórdão que nos ocupa, tem considerado que o legislador quis abandonar o entendimento de 2001 e, consequentemente, regressar ao princípio da liberdade contratual, desde que verificados os pressupostos legais da admissibilidade do contrato de trabalho a termo (forma e substância/fundamentação).
De referir que no caso em apreço, o novo contrato previa "um objeto, funções e remuneração (superior) diferentes do anterior".
Deste modo, a jurisprudência admite a passagem de um contrato de trabalho por tempo indeterminado para contrato de trabalho a termo, desde que, entre outros requisitos, seja respeitada a forma escrita e seja justificada a contratação temporal de acordo com os fundamentos legalmente previstos. Por outras palavras, a jurisprudência que o anterior contrato de trabalho sem termo termine por acordo entre as partes, do anterior contrato de trabalho sem termo; e, ainda, por incompatibilidade dos dois contratos, no sentido em que a celebração de um novo contrato de trabalho a termo constitui, implicitamente, a cessação do anterior contrato por vontade das partes. Esta orientação jurisprudencial tem vindo a trilhar o seu caminho nos nossos tribunais. Deve ser analisada e aplicada com cuidado, visto que o empregador não pode, de acordo com o Código do Trabalho, "fazer cessar o contrato e readmitir o trabalhador, mesmo com o seu acordo, com o propósito de o prejudicar em direito ou garantia decorrente da antiguidade".
Aguardemos pelos posteriores desenvolvimentos.


Nota: publicado no Jornal OJE no dia 17.3.2015.

Medida Incentivo à Aceitação de Ofertas de Emprego: recentes alterações

Recentemente foram aprovadas alterações à Medida Incentivo à Aceitação de Ofertas de Emprego (Medida) (Portarias n.ºs 207/2012, de 6 de julho, 26/2015, de 10 de fevereiro), a qual visa atribuir um incentivo financeiro aos desempregados que aceitem um trabalho a tempo completo com uma remuneração inferior ao valor da prestação de desemprego que se encontravam a receber. Trata-se de uma medida prevista no "Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego", celebrado entre o governo e a maioria dos parceiros sociais em 2012.

Para o efeito, o interessado deve: (i) estar inscrito nos serviços do IEFP há mais de 3 meses (antes eram exigidos 6 meses), salvo no caso de beneficiário com idade mínima de 45 anos; (ii) aceitar oferta de emprego apresentada pelos serviços do IEFP ou obter colocação pelos próprios meios; (iii) auferir uma retribuição ilíquida inferior à prestação de desemprego; e (iv) ter, na data do início efetivo da atividade objeto do contrato de trabalho, direito a beneficiar da prestação de desemprego por um período remanescente igual ou superior a 3 meses (antes eram exigidos 6 meses).

Por outro lado, o contrato de trabalho deve: (i) ser celebrado após 1.1.2015; (ii) não ser celebrado com empregador com o qual o beneficiário tenha mantido uma relação laboral cuja cessação tenha dado origem ao reconhecimento do direito à prestação de desemprego; (iii) garantir, pelo menos, a remuneração mínima mensal garantida e demais direitos previstos na lei ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicáveis; (iv) corresponder a contrato de trabalho com duração mínima de 3 meses e com horário de trabalho a tempo completo.

O apoio financeiro a atribuir será no montante mensal correspondente a: (i) 50% do valor da prestação de desemprego durante os primeiros 6 meses do período de concessão, com o limite de € 500,00; e (ii) 25% do valor da prestação de desemprego, durante os 6 meses seguintes, com o limite de € 250,00. De referir que o exercício da atividade profissional decorrente da celebração do contrato de trabalho apoiado pela Medida suspende o pagamento da prestação de desemprego; ou seja, o beneficiário pode retomar posteriormente o recebimento do subsídio de desemprego.

O beneficiário da Medida fica dispensado de: (i) aceitar emprego conveniente; (ii) aceitar trabalho socialmente necessário; (iii) aceitar formação profissional; (iv) aceitar outras medidas ativas de emprego; (v) procurar ativamente emprego; e (vi) cumprir o dever de apresentação quinzenal. Contudo, continua obrigado a sujeitar-se a medidas de avaliação, acompanhamento e controlo, nomeadamente comparecer nas datas e nos locais que lhes forem determinados pelo centro de emprego.

Três notas finais. Em primeiro lugar, este apoio financeiro é suspenso durante a atribuição do subsídio de doença ou de subsídios de proteção na parentalidade. Em segundo lugar, esta Medida é acumulável com outras medidas promovidas pelo IEFP, nomeadamente a Medida Estímulo Emprego. Em terceiro lugar, o requerimento deve ser apresentado junto do IEFP no prazo de 30 dias a contar do início efetivo da atividade ao abrigo do novo contrato de trabalho.

Nota 1: publicado no Jornal OJE no dia 3.3.2015.

Nota 2: em coautoria com Maria Paulo Rebelo.

A Função Pública e a nova Tabela Única de Suplementos (TUS)

No passado dia 6 de fevereiro, foi publicado o decreto-lei que explicita as obrigações ou condições específicas que permitem a atribuição de suplementos remuneratórios aos trabalhadores abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

Este novo regime jurídico visa, assim, orientar a política remuneratória em função da complexidade ou exigência das funções exercidas por cada trabalhador, evitando situações de desigualdade injustificada, sem esconder o objetivo de aproximação ao setor privado.

A atribuição de suplementos remuneratórios fica sujeita à verificação dos seguintes requisitos: (i) as condições específicas ou mais exigentes necessárias à atribuição do suplemento não terem sido expressamente consideradas na fixação da remuneração base da carreira ou cargo; (ii) manutenção das condições de trabalho que determinaram a sua atribuição; e (iii) exercício de funções efetivo ou como tal considerado em lei.

Entre os fundamentos que conduzem a um suplemento remuneratório permanente, contam-se, por exemplo, (i) a disponibilidade permanente para trabalho a qualquer hora e dia, sempre que solicitada pelo empregador público, (ii) a isenção de horário de trabalho, (iii) a penosidade da atividade (sobrecarga física ou psíquica), e (iv) o elevado risco inerente à atividade (investigação criminal, socorro, segurança pública, insalubridade).

Por seu lado, entre os fundamentos que conduzem a um suplemento remuneratório transitório, contam-se, por exemplo, (i) a mudança temporária de local de trabalho, (ii) o trabalho suplementar, (iii) o trabalho noturno ocasional, e (iv) o exercício de funções de coordenação.

Os suplementos remuneratórios permanentes devem ser pagos 12 vezes por ano, assim como os suplementos remuneratórios transitórios quando a sua atribuição se prolongue por mais de um ano.

Saliente-se que o valor dos suplementos é fixado em montante pecuniário e apenas excecionalmente em percentagem da remuneração base; não sendo atualizado, em regra, com a progressão na carreira. De referir que os complementos por trabalho noturno, por trabalho por turnos ou por trabalho suplementar podem ser fixados em percentagem da remuneração base.

Relativamente aos trabalhadores que auferiam suplementos remuneratórios em 7/2/2015, ficam salvaguardadas as respetivas remunerações, uma vez que são colocados no seu nível correspondente na nova TUS. Quando não seja possível estabelecer essa coincidência, a transição opera por defeito para o nível mais aproximado do montante pecuniário que vai auferir e, caso exista, a diferença remuneratória será compensada pela atribuição de um diferencial de integração, o qual será progressivamente consumido pela atualização futura dos níveis da TUS.

Por fim, cumpre referir que no prazo de 60 dias verificar-se-á a revisão dos suplementos atuais com vista à sua manutenção, total ou parcial, ou à sua integração na remuneração base; sem prejuízo da possibilidade de estes complementos deixarem de ser pagos ou serem, inclusivamente, extintos. Não podemos deixar de manifestar algumas dúvidas de constitucionalidade face a esta redução salarial em perspetiva.

Nota 1: publicado no Jornal OJE no dia 24.2.2015.

Nota 2: em coautoria com Maria Paulo Rebelo.