Este blog (sobre)viverá da aplicação do Direito ao caso concreto...

22 de maio de 2014

Despedimentos: o que muda no dia 1 de junho?

No próximo dia 1 de junho entram em vigor as novas regras nos despedimentos por extinção de posto de trabalho e por inadaptação (Lei n.º 27/2014), as quais procuram adequar o Código do Trabalho ao acórdão do Tribunal Constitucional sobre a Reforma Laboral de 2012.

Em primeiro lugar, renasce o dever de o empregador propor ao trabalhador um posto de trabalho alternativo, desde que esteja disponível (ou por preencher) e que seja compatível com a categoria profissional do trabalhador. Com efeito, o empregador não é obrigado a criar um novo posto de trabalho para o trabalhador abrangido por um despedimento por extinção de posto de trabalho ou por inadaptação, mas, caso este exista, deve propô-lo ao trabalhador; este pode aceitar ou recusar a proposta do empregador. A aceitação da proposta do empregador determina a modificação do posto de trabalho e, consequentemente, o fim do procedimento de despedimento em curso. Por seu lado, a recusa da referida proposta permite preencher o requisito da impossibilidade prática da relação de trabalho e, desse modo, contribuir para a regularidade do despedimento do trabalhador.

A segunda alteração – porventura a mais significativa – prende-se com os critérios de seleção dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento por extinção de posto de trabalho, quando há uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico na secção ou estrutura equivalente.

Antes da Reforma de 2012, o empregador devia observar o critério da antiguidade ("last in, first out"). Em 2012, foi consagrada, ao invés, a faculdade de o empregador definir critérios relevantes e não discriminatórios para selecionar o trabalhador a despedir. A partir de 1 de junho de 2014, o empregador deve observar a seguinte ordem de critérios: (i) pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador; (ii) menores habilitações académicas e profissionais; (iii) maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa; (iv) menor experiência na função; e (v) menor antiguidade na empresa. Estes critérios devem ser densificados em função das circunstâncias do caso concreto.

Recorde-se que no despedimento coletivo não existe este "espartilho legal" e, por conseguinte, o empregador pode escolher os critérios de seleção dos trabalhadores a despedir, desde que sejam congruentes com os motivos invocados e com a configuração do despedimento coletivo.

Vejamos o seguinte exemplo: o "empregador A" tem 49 trabalhadores e o "empregador B" tem 51 trabalhadores; ambos dedicam-se à atividade de restauração e pretendem reduzir o quadro de pessoal devido a uma redução significativa do volume de negócios. No primeiro caso pode ser promovido um despedimento coletivo para abranger 2 trabalhadores; no segundo caso, o despedimento de 4 trabalhadores só poderá ocorrer por via do procedimento de extinção de posto de trabalho. Dito de outro modo, o "empregador A" pode escolher os critérios de seleção que melhor se adequem aos fundamentos invocados para o despedimento; por seu lado, o "empregador B" deve observar a nova ordem de critérios acima referida, ainda que a escolha de outros critérios permitisse manter os melhores trabalhadores atendendo aos fundamentos invocados e à estrutura de recursos humanos pretendida após a redução do número de trabalhadores.

Surge, inevitavelmente, a seguinte questão: justificam-se as diferenças de regime quando o despedimento coletivo pode ser mais individual do que a extinção de posto de trabalho?

Em nosso entender não. Todavia, não podemos deixar de aplaudir esta alteração ao Código do Trabalho, visto que é um passo importante na eliminação das barreiras ideológicas que separam o despedimento coletivo do despedimento por extinção de posto de trabalho.

Passado este período de revisão e contra revisão da legislação laboral, seria bom contarmos com uma época de "acalmia legislativa" que permitisse aprofundar e testar todas as alterações às "leis do Trabalho". Contudo, as últimas notícias apontam para novas intervenções legislativas e consequentes apreciações pelo Tribunal Constitucional.

Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 14.5.2014.

20 de maio de 2014

O “outsourcing” e as relações laborais

A gestão das empresas passa frequentemente por duas questões fundamentais com reflexos laborais incontornáveis: (i) quais são as atividades que devem ser prosseguidas diretamente e quais são as atividades que podem/devem ser externalizadas ("outsourcing"); e (ii) qual é o melhor local para desenvolver certa atividade ("offshoring"). Cumpre deixar, hoje, algumas considerações sobre o "outsourcing".


A relevância atual e crescente deste fenómeno está diretamente relacionada com a tendencial especialização da economia, isto é, as empresas deixam de integrar todas as fases do seu processo produtivo, concentrando-se no seu "core business", e externalizam um conjunto amplo de atividades, como por exemplo, o recrutamento e gestão de recursos humanos, o apoio informático e tecnológico, a segurança, a limpeza, a logística e armazenamento, a distribuição, os serviços de "customer care" (por exemplo, através de "call centers"), e as atividades de consultoria legal, fiscal e financeira.
 

Os processos de externalização incluíam, tradicionalmente, atividades como a segurança e a limpeza; todavia, atualmente, o "outsourcing" passou a incluir atividades de elevado valor acrescentado (por exemplo, os serviços informáticos e tecnológicos e a consultoria legal, fiscal, financeira).


Trata-se de um importante instrumento de flexibilidade nas organizações, na medida em que o recurso a empresas especializadas permite reduzir o número de trabalhadores diretos e possibilita o recrutamento de mão-de-obra com as qualificações profissionais adequadas em função das necessidades do mercado.


Vejamos um exemplo.


A Empresa X dedica-se à atividade de confeção de peças de vestuário. Para a distribuição dos seus produtos conta com uma unidade económica composta por 10 trabalhadores e 5 camiões devidamente personalizados com a sua marca. A Empresa X disponibiliza, nas suas instalações, um infantário para os filhos dos seus trabalhadores, no qual estão afetas 6 educadoras de infância.


Imagine-se que a Empresa X decide concentrar-se na confeção de peças de vestuário e, por conseguinte, pretende eliminar a atividade de distribuição e encerrar o referido infantário. De seguida, a Empresa X celebra um contrato de distribuição dos seus produtos com a Empresa Y e cede-lhe os camiões que utilizava na sua atividade. Por outro lado, resolve compensar os seus trabalhadores através do pagamento das mensalidades do infantário explorado pela Empresa W.


Coloca-se a questão de saber se poderá promover o despedimento dos 10 trabalhadores da distribuição e das 6 educadoras de infância.


Ora o despedimento coletivo pode ser fundamentado em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente da empresa ou em redução do número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos. À primeira vista, dir-se-ia que a Empresa X poderia promover o despedimento daqueles trabalhadores.


Todavia, no caso da externalização da atividade de distribuição pode colocar-se uma questão de transmissão da unidade económica, isto é, de transmissão da posição jurídica de empregador da Empresa X para a Empresa Y – ou seja, esta empresa deve assumir os 10 trabalhadores e manter-lhes as suas condições de trabalho –, visto que prossegue a atividade de distribuição com os camiões utilizados anteriormente pela Empresa X e com o aproveitamento da sua marca.


Ao invés, no que toca ao encerramento do infantário, o despedimento coletivo não será colocado em causa porque a Empresa W desenvolve a atividade com meios materiais e humanos próprios. Por outras palavras, a Empresa W não será obrigada a assumir os recursos humanos anteriormente afetos ao infantário da Empresa X.


Em suma, o recurso ao "outsourcing" deve implicar uma ponderação dos reflexos laborais do modelo de externalização adotado no caso concreto, de forma a reduzir os conflitos e as contingências laborais.


Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 13.5.2014.

14 de maio de 2014

Trabalho “on demand”?

Será possível dispor de trabalhadores ou de equipas de trabalho "à chamada" ou "a pedido"?

Em dezembro de 2013, o Reino Unido lançou uma consulta pública sobre os "zero-hours contracts", isto é, sobre contratos de trabalho que não estabelecem períodos normais de trabalho mínimos, sendo a remuneração definida em função do trabalho realizado e devendo o trabalhador estar disponível para prestar a sua atividade quando seja chamado pelo empregador.

Esta consulta cuida de quatro aspetos fundamentais: (i) exclusividade do trabalhador; (ii) transparência na qualificação do "zero-hours contract"; (iii) indeterminação do valor da remuneração; (iv) equilíbrio de poderes entre empregador e trabalhador.

No Reino Unido, estima-se que, entre Janeiro e Fevereiro de 2014, existissem 1,4 milhões de "zero-hours contracts" e que cerca de 13% dos empregadores tivessem recrutado alguns trabalhadores através desta modalidade de contrato. Considerando os setores de atividade, verifica-se uma maior predominância nos serviços de alojamento e alimentação, na saúde e trabalho social, nos serviços administrativos e de apoio e na educação.

Esta modalidade de contrato de trabalho tem vantagens e desvantagens. Por um lado, permite ao empregador dispor de trabalhadores em função das necessidades da sua organização empresarial (por exemplo, a organização de um casamento num estabelecimento hoteleiro, o apoio domiciliário a um paciente em virtude do agravamento do seu estado de saúde, o curto-circuito num sistema informático que requer a presença de um técnico especializado para recuperar os dados, entre outros). Por outro lado, trata-se de um contrato que não garante uma estabilidade remuneratória ao trabalhador; permite-lhe, porém, uma maior gestão do seu tempo de não trabalho, visto que não é obrigado a aceitar todas as solicitações do empregador.

O trabalhador tem direito a remuneração durante os períodos de trabalho, mas também durante os períodos de prontidão ou enquanto se encontra próximo do local de trabalho e aguarda para prestar a sua atividade. Contudo, não terá direito a receber remuneração enquanto aguarda pela "chamada" na sua residência.

Entre nós, o Código do Trabalho consagra o "trabalho intermitente" em termos fortemente restritivos, a saber: (i) só é admissível em empresa que exerça atividade com descontinuidade ou intensidade variável; (ii) não pode ser celebrado a termo resolutivo ou em regime de trabalho temporário; e (iii) o trabalhador deve prestar a sua atividade durante, pelo menos, 6 meses a tempo completo por ano, dos quais, pelo menos, 4 meses devem ser consecutivos.

O contrato de trabalho intermitente está sujeito a forma escrita – sob pena de ser considerado sem período de inatividade – e deve regular a duração da prestação de trabalho, de modo consecutivo ou interpolado, bem como o início e termo de cada período de trabalho, ou a antecedência (não inferior a 20 dias) com que o empregador deve informar o trabalhador do início daquele.

Durante o período de inatividade, o trabalhador tem direito a uma compensação retributiva mensal que pode ser fixada em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e que, na sua falta, não pode ser inferior a 20% da retribuição base mensal. Os subsídios de férias e de Natal são fixados com base na média das remunerações e compensações retributivas.

Em nossa opinião, o modelo português tem uma aplicabilidade reduzida porque deve obedecer a requisitos muito exigentes.

Coloca-se a questão de saber se estas cautelas legislativas não "empurram" as empresas e os trabalhadores para contratos de trabalho a termo ou para os "recibos verdes". A ser assim, o trabalhador encontrar-se-á numa situação de maior fragilidade do que aquela que teria se o contrato de trabalho intermitente tivesse um regime mais flexível quanto ao tipo de atividade e à duração mínima anual.

Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 6.5.2014.


Sobre esta questão, vide:
Zero-hours contracts - Commons Library Standard Note

8 de maio de 2014

A qualificação e a inovação nos recursos humanos


Em 2010, a União Europeia aprovou a "Estratégia Europa 2020", a qual compreendia três prioridades: (i) crescimento inteligente: desenvolver uma economia baseada no conhecimento e na inovação; (ii) crescimento sustentável: promover uma economia mais eficiente em termos de utilização dos recursos, mais ecológica e mais competitiva; e (iii) crescimento inclusivo: fomentar uma economia com níveis elevados de emprego que assegura a coesão social e territorial. Esta Agenda prossegue, entre outros, os seguintes objetivos: 75% da população de idade compreendida entre os 20 e 64 anos deve estar empregada e 3% do PIB da UE deve ser investido em investigação e desenvolvimento.

Por conseguinte, a aposta individual e coletiva na formação e no desenvolvimento de competências académicas e profissionais e a aproximação das universidades e dos institutos politécnicos às empresas e ao mercado de trabalho surgem como absolutamente centrais para a criação de um mercado de trabalho mais dinâmico.

Estas preocupações não são "corpos estranhos" na nossa legislação laboral. Pelo contrário, de acordo com o Código do Trabalho, o trabalhador tem direito a: a) um período mínimo anual de 35 horas de formação contínua; e b) a licença sem retribuição de duração superior a 60 dias para frequência de curso de formação ministrado sob a responsabilidade de instituição de ensino ou de formação profissional.

A qualificação profissional é, salvo melhor opinião, um fator decisivo para a inovação e constitui uma condição fundamental para o aumento da produtividade e, consequentemente, dos níveis remuneratórios.

Compete, agora, aos trabalhadores e às empresas escolherem o "rumo" certo.

Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 29.04.2014.