Este blog (sobre)viverá da aplicação do Direito ao caso concreto...

25 de março de 2014

Inovação e criatividade: a quem pertence a obra ou a invenção?

A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) divulgou, no passado dia 13 de março, dados estatísticos sobre os pedidos de registos de patentes, de marcas e de desenhos industriais relativos ao ano de 2013.

No "top 10" dos pedidos de registo de patentes encontramos os Estados Unidos da América, o Japão, a China, a Alemanha, a República da Coreia, a França, o Reino Unido, a Suíça, a Holanda e a Suécia.

Para termos uma ideia da situação nacional, basta compararmos Suécia com Portugal: 3960 contra 147 pedidos, respetivamente. Se olharmos para o "top 10" das universidades, encontramos nove localizadas nos Estados Unidos da América e uma na República da Coreia.

No que diz respeito ao registo de marcas, o "top 10" é composto por Alemanha, Estados Unidos da América, França, Suíça, Itália, Reino Unido, China, Japão, Holanda e Austrália. Comparemos Austrália com Portugal: 1263 contra 267 pedidos, respetivamente.

Por fim, no que toca aos registos de desenhos industriais, o "top 10" é composto por Suíça, Alemanha, Itália, França, Estados Unidos da América, Holanda, Noruega, Turquia, Suécia e Reino Unido. Portugal está, sem surpresas, longe do "top 10".

Uma empresa é mais do que o seu reflexo financeiro e contabilístico. O seu valor real é fortemente influenciado pelos ativos imateriais - cuja avaliação é complexa - como o nome, a reputação, a estrutura dos seus recursos humanos e o conhecimento criado, desenvolvido e protegido.

É verdade que a proteção da inovação e da criatividade é um custo pesado para a empresa. Todavia, deixar a porta aberta aos "free riders" não deve ser uma opção, porque o aproveitamento daqueles ativos é fundamental para a competitividade interna e externa da empresa.

Uma gestão adequada do "know-how" de uma empresa deve assentar, também, numa política estruturada de recursos humanos que inclua: (i) a definição de procedimentos que garantam a confidencialidade e o sigilo dos projetos em fase de investigação e desenvolvimento (I&D) (por exemplo, cláusulas de confidencialidade e de não concorrência); (ii) a estabilidade no emprego dos trabalhadores envolvidos na I&D (por exemplo, pactos de permanência); e (iii) a determinação dos direitos de autor ou dos direitos industriais (por exemplo, acordos sobre a atribuição e remuneração destes direitos intelectuais). Ora, no caso da titularidade do direito de autor relativo a obra feita por conta de outrem, quer em cumprimento de dever funcional, quer de contrato de trabalho, a lei presume, no silêncio das partes, que pertence ao seu criador intelectual, isto é, ao trabalhador. Trata-se de uma regra tendencialmente oposta àquela que resulta do Direito do Trabalho para as atividades não criativas ou inovadoras: o resultado da atividade do trabalhador pertence ao empregador.

Por seu lado, no caso de invenção feita durante a execução de contrato de trabalho em que a atividade inventiva esteja prevista, o direito à patente pertence à empresa.

Contudo, quando a atividade inventiva não está especialmente remunerada, o inventor tem direito a uma remuneração adicional de harmonia com a importância da invenção. A lei é omissa quanto aos critérios para determinar esta remuneração. Abre-se, por isso, uma oportunidade para as partes convencionarem o valor da remuneração especial no contrato de trabalho ou, pelo menos, para definirem critérios que permitam reduzir a incerteza da norma legal.

Diga-se, aliás, que nada disto é novo para as multinacionais e para os agentes económicos de outras paragens - a começar pelas universidades enquanto polos privilegiados de investigação e desenvolvimento. Entre nós, há ainda um caminho a percorrer.


Nota: artigo publicado no Jornal Oje de 18.03.14.

18 de março de 2014

Os feriados e as férias

Na semana passada uma parte do país gozou o feriado de Carnaval, enquanto a outra parte cumpriu mais uma jornada laboral. O Código do Trabalho consagra os seguintes feriados obrigatórios: 1 de janeiro, Sexta-Feira Santa, Domingo de Páscoa, 25 de abril, 1 de maio, 10 de junho, 15 de agosto; 8 e 25 de dezembro. O Carnaval e o feriado municipal da localidade têm natureza facultativa e podem ser observados mediante instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (por exemplo, contrato coletivo de trabalho ou acordo de empresa) ou contrato de trabalho. Nestes casos, temos um país laboral a duas velocidades com reflexos na gestão dos recursos humanos.


A "abolição" – temporária? – dos feriados obrigatórios de Corpo de Deus, de 5 de outubro, de 1 de novembro e de 1 de dezembro constituiu uma medida da Reforma Laboral de 2012 que visou a promoção da competitividade da economia nacional: o trabalho prestado nesses deixou de ser remunerado com acréscimo e de dar direito a descanso compensatório. Foram, deste modo, "apagados" dois feriados civis e dois feriados religiosos com inegável importância histórica e cultural, mas mantiveram-se os feriados facultativos.


O "apagão" dos feriados é uma medida simbólica da Reforma Laboral de 2012 de alcance discutível, tendo o legislador perdido uma oportunidade para corrigir um regime verdadeiramente disfuncional: o direito a férias no ano de admissão e no ano subsequente.


O tema das férias (re)surge, geralmente, nesta altura do ano, porque está a correr o prazo de elaboração do mapa de férias, com indicação do início e do termo dos períodos de férias de cada trabalhador (até 15 de abril).


As férias visam proporcionar ao trabalhador a recuperação física e psíquica, condições de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e participação social e cultural. Por isso, as férias reportam-se ao trabalho prestado no ano civil anterior, vencendo-se no dia 1 de janeiro, pelo menos, 22 dias úteis de férias. Assim, as férias gozadas em 2013 reportam-se ao trabalho prestado em 2012, as férias gozadas em 2012 reportam-se ao trabalho prestado em 2011 e assim sucessivamente.


Todavia, no ano de admissão, o trabalhador tem direito a 2 dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, com um limite de 20 dias, cujo gozo pode ter lugar após 6 meses completos do contrato. No caso de admissão no segundo semestre, as férias adquiridas podem ser gozadas até 30 de junho do ano subsequente.


Vejamos o seguinte exemplo: o trabalhador A foi admitido em 2010 e o trabalhador B no dia 1 de Setembro de 2013. Em 2014, o trabalhador A e o trabalhador B têm direito a 22 dias úteis de férias, vencidos no 1 de janeiro de 2014. Porém, o trabalhador B tem, ainda, direito a 8 dias úteis de férias, vencidos mensalmente em 2013. Em ambos os casos, as férias dizem respeito ao trabalho prestado no ano de 2013. No entanto, o trabalhador B tem direito a mais 8 dias úteis de férias, embora tenha trabalhado apenas 4 meses em 2013.


Salvo melhor opinião, este "prémio" relativo ao ano de admissão não é justificado. A correção desta desarmonia normativa pode ter reflexos mais efetivos na produtividade da economia nacional do que a eliminação dos feriados e permitiria eliminar uma discriminação injustificada entre trabalhadores.

Esperemos que o regime dos feriados e das férias possa ser "recalibrado" na próxima revisão da legislação laboral, a qual não deve tardar: afinal, tivemos reformas laborais em 2003, 2009 e 2012 e o Direito do Trabalho vive sob a marca congénita da revisão permanente.


Nota: artigo publicado no Jornal Oje de 11.03.14.

17 de março de 2014

O despedimento por extinção de posto de trabalhoe os critérios de seleção dos trabalhadores

No seguimento da publicação do Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 602/2013, o Governo submeteu no passado dia 13 de fevereiro, à Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 207/XII, com vista a proceder à sexta alteração ao Código do Trabalho.

1. Enquadramento


Procurando dar resposta aos compromissos assumidos no âmbito do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, assinado em 17 de maio de 2011, a Reforma Laboral levada a cabo pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, substituiu os critérios legais de selecção do posto de trabalho a extinguir em caso de pluralidade de postos de trabalho com conteúdo funcional idêntico por critérios relevantes e não discriminatórios a serem determinados pelo empregador. Ao nível dos requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho e por inadaptação, a referida lei desobrigou ainda o empregador de propor ao trabalhador um posto de trabalho alternativo disponível e compatível com a sua categoria profissional.


Porém, chamado a apreciar a conformidade constitucional deste regime, o TC declarou este regime inconstitucional com força obrigatória geral por violação da proibição de despedimento sem justa causa consagrada no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.


A proposta de lei apresentada pretende, assim, dar cumprimento aos compromissos assumidos ao nível europeu tendo em conta o Acórdão do TC n.º 602/2013.


2. Critérios de selecção dos trabalhadores


Com esta nova alteração ao Código do Trabalho, o empregador deverá observar a seguinte ordem taxativa de critérios:


a) Pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador;

b) Menores habilitações académicas e profissionais;

c) Maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa;

d) Menor experiência na função;

e) Menor antiguidade na empresa.


Esta alteração permite evitar a consequência perversa do "last in first out" associada ao critério único da antiguidade, sendo, por isso, de louvar a proposta agora apresentada.


Todavia, os critérios escolhidos, suscitam-nos algumas questões.


Em primeiro lugar, o momento ou período relevante para a determinação dos "parâmetros" de avaliação pelo empregador não está determinado.


Em segundo lugar, em vez de recorrer aos conceitos de habilitações académicas e profissionais, o legislador podia ter utilizado o conceito de qualificações profissionais previsto na Lei n.º 9/2009, de 4 de Março, o qual está directamente relacionado com o exercício de actividades profissionais. As qualificações profissionais são "atestadas por um título de formação, uma declaração de competência ou certificado emitido pela autoridade competente do estado membro de origem e/ou experiência profissional".


Em terceiro lugar, a maior onerosidade também poderá levantar dúvidas na sua aplicação. Por exemplo, no caso de dois trabalhadores que ocupem posto de trabalho de conteúdo funcional idêntico, deve atender-se à remuneração global, à retribuição base e diuturnidades ou, também, aos complementos remuneratórios que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho (por exemplo, subsídio de isenção de horário de trabalho, subsídio de trabalho nocturno ou subsídio de trabalho por turnos)? E no caso de ser aplicável diferente instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aos trabalhadores considerados?


Em quarto lugar, o legislador optou por utilizar o conceito de "experiência na função". A função refere-se às atividades ou tarefas associadas a um determinado posto de trabalho. Contudo, coloca-se a questão da determinação e avaliação da "experiência". Parece-nos que não se pretende referir à permanência numa determinada função, porque nesse caso, deveria recorrer-se à antiguidade. Pretender-se-á referir à aptidão ou adequação do trabalhador para o desempenho da função considerando os trabalhos ou tarefas anteriormente realizados?


O regime proposto aproxima-se das diretrizes estabelecidas pelo Acórdão do TC. Contudo, subsistem, ainda, algumas incertezas que podem ser afastadas em sede de discussão na especialidade na Assembleia da República.


Em todo o caso, esta nova ordem taxativa de critérios de selecção dos trabalhadores, embora comporte alguma indefinição, pode tornar a implementação de sistemas de avaliação de desempenho num instrumento muito relevante para a gestão e eventual reestruturação dos recursos humanos nas organizações empresariais.


3. Obrigação de recolocação do trabalhador


A proposta de lei recupera, ainda, a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador cujo posto de trabalho foi extinto, como requisito da justa causa no despedimento por extinção do posto de trabalho e no despedimento por inadaptação.


Nesta parte, compreende-se a proposta de lei, tendo em conta a fundamentação do Acórdão do TC e as experiências de outros países europeus.


4. Nota final


Esta proposta de lei será, agora, sujeita a uma fase de apreciação pública prévia à discussão e votação pela Assembleia da República.


Neste âmbito, prevê-se a participação das comissões de trabalhadores ou das respectivas comissões coordenadoras, das associações sindicais e das associações de empregadores, bem como da Comissão Permanente de Concertação Social.


Atendendo à sensibilidade do tema e ao processo legislativo aplicável, é difícil, neste momento, estimar uma data previsível para a entrada em vigor das alterações contempladas na proposta de lei em apreço.



(cfr. David Carvalho Martins / Inês Garcia Beato, Atualidade Laboral, Março 2014, PT / EN)

4 de março de 2014

Os riscos laborais das redes sociais

As diversas redes sociais - como o Facebook, o Linkedin e o Twitter - fazem parte do nosso quotidiano, estando presentes no telemóvel, no computador pessoal, no tablet e, não raras vezes, no local de trabalho. As redes sociais proporcionam uma nova relação de vizinhança.

Estamos mais próximos de amigos e conhecidos, independentemente da localização e da profissão de cada um. Podemos difundir, rapidamente e para um número (quase) indeterminável de pessoas, as nossas opiniões e pontos de vista, bem como divulgar trabalhos, interesses sociais, culturais e políticos.

Por seu lado, as empresas utilizam as redes sociais como meios privilegiados de divulgação de produtos e serviços e de consolidação da sua marca. Sem prejuízo de uma desmaterialização crescente do curriculum vitae, o recurso à informação disponível no espaço virtual tem assumido uma importância crescente nos processos de recrutamento como forma de verificar ou complementar a informação prestada pelo candidato a emprego.

Paralelamente, vão surgindo cada vez mais notícias de despedimentos, em Portugal e no estrangeiro, com fundamento em declarações veiculadas nas redes sociais dos trabalhadores ou na criação de páginas nas redes sociais como nova forma de luta laboral.

Pode, inclusivamente, colocar-se a questão da admissibilidade do controlo do uso das redes sociais no local de trabalho através dos meios informáticos disponibilizados pelo empregador.

São, portanto, múltiplas as questões que se podem levantar.

Do lado do trabalhador podemos identificar as seguintes linhas de reflexão:

Em primeiro lugar, a utilização das redes sociais no local de trabalho e durante o horário de trabalho é invariavelmente um foco de distração e, nesse sentido, pode constituir uma violação do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência.

Em segundo lugar, caso o empregador tenha definido regras sobre a utilização dos instrumentos de trabalho informáticos, navegar nas redes sociais pode constituir, igualmente, uma violação do dever de cumprir as ordens e instruções do empregador. Em terceiro lugar, a divulgação de informações relativas à organização, aos serviços e aos produtos da empresa através das redes sociais poderá constituir a violação de deveres de confidencialidade e sigilo.

Em quarto lugar, a criação de páginas ou grupos virtuais ou a colocação de posts nas páginas pessoais destas redes sociais com mensagens difamatórias da empresa ou de colegas ou para a divulgação de informações confidenciais ou privadas do empregador ou de colegas constituem, igualmente, violação dos deveres laborais dos trabalhadores.

Em qualquer destes casos e em função das circunstâncias do caso concreto, o empregador poderá instaurar um procedimento disciplinar para aplicar uma sanção conservatória do vínculo laboral (por exemplo uma suspensão com perda de retribuição) ou, inclusivamente, para aplicar o despedimento-sanção.

Do lado do empregador podemos apontar alguns aspetos dignos de ponderação.

O empregador não pode, em regra, exigir a candidato a emprego ou a trabalhador que preste informações relativas à sua vida privada, à sua saúde ou estado de gravidez. Todavia, não lhe está vedado o recurso à informação disponível na web, nomeadamente se tiver tido origem no próprio trabalhador. Um post irrestrito do trabalhador pode comportar, deste modo, o seu consentimento para a divulgação pública de dados pessoais.

Devemos ter presente que o trabalhador - tal como o empregador - tem direito à privacidade no contexto laboral, isto é, à reserva e confidencialidade das mensagens de natureza pessoal e ao acesso a informação de carácter não profissional que envie, receba ou consulte. Por isso, o acesso a este tipo de informação privada não pode ter reflexos na relação laboral (por exemplo, fundamentar um despedimento com justa causa disciplinar) e constitui ilícito civil e criminal.

Em suma, os trabalhadores não devem olhar para as redes sociais como espaços de irresponsabilidade e de arbítrio, mas aos empregadores será cada vez mais exigível a definição de regras e procedimentos aplicáveis à utilização das redes sociais no contexto laboral.


Nota: artigo publicado no Jornal Oje de 25.02.14.