Este blog (sobre)viverá da aplicação do Direito ao caso concreto...

25 de julho de 2013

A prova no despedimento-sanção e a (eventual) prejudicialidade da questão criminal

Neste Ac. TRP 10.07.2013 (Eduardo Petersen Silva) colocou-se a questão de saber se uma certidão extraída de um processo-crime que reproduz conversas telefónicas podia ser valorada num processo onde se discute a licitude de um despedimento com justa causa.

Com efeito, de acordo com o art. 34.º da CRP:

1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis.
(...)
4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.

O art. 187.º do CPP estabelece requisitos exigentes para a admissibilidade das escutas telefónicas, na medida em que constitui um meio de enfraquecimento da protecção de normas constitucionais. Nesse sentido, não tem sido admitida a sua ampliação ou extensão, sequer, a tipos de crimes não previstos naquela norma, sob pena de violação do princípio da tipicidade (Ac. TRP 09.05.2012 (Ricardo Costa e Silva)).

Assim, para o TRP, os direitos fundamentais à iniciativa económica (art. 61.º, n.º1, da CRP) e ao acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º da CRP) não se sobrepõem aos direitos fundamentais à inviolabilidade do domicílio e da correspondência (art. 34.º da CRP). Por conseguinte, a valorização das escutas telefónicas em processo laboral para apreciação da licitude e regularidade do despedimento deve ser considerada ilegal.

Esta questão foi igualmente abordada neste Ac. STA 30.10.2008 (Costa Reis), o qual foi alías citado no Ac. TRP 10.07.2013 (Eduardo Petersen Silva). Para o STA, a obtenção de prova através violação do sigilo inerente aos meios de comunicação privada é excpecional, só possível de adoptar quando haja a convicção de que é indispensável para a descoberta da verdade ou que, de outra forma, a prova seria impossível ou de muito difícil obtenção e, por outro, que a utilização desse meio de obter a prova só é lícita quando em causa estiverem os crimes enumerados naquele n.º 1, os crimes de catálogo.

E continua. Deste modo - e esta é uma premissa que tem de estar presente em todo o discurso argumentativo sobre esta delicada matéria - o recurso a escutas telefónicas só é legal quando elas se destinem a obter prova para crimes que constem do citado normativo o que quer dizer que em todos os demais processos onde se investigue a prática de outros ilícitos, quer de natureza penal quer de outra natureza, designadamente disciplinar, o recurso a esse meio de obtenção de prova é ilegal e, consequentemente, é ilegal a sua utilização e valoração.

Mais, o mesmo preceito é claro ao proibir a transposição da gravação de conversas ou comunicações de um processo penal para outro e a sua posterior utilização se este último respeitar a crime que não admita escutas telefónicas (...), o que só pode querer significar que a proibição de obtenção da prova por meio de escutas telefónicas abrange todos os processos que não os respeitantes aos crimes de catálogo e, por maioria de razão, os processos de natureza não penal como são os processos disciplinares.

O Ac. TRP 10.07.2013 (Eduardo Petersen Silva) é ainda merecedor de uma referência final. Neste Acórdão, o TRP considerou que a condenação do trabalhador em processo-crime pelos mesmos factos que lhe são imputados no processo disciplinar não determina, por si só, a licitude do despedimento, visto que podem existir vícios formais do procedimento disciplinar, o empregador pode não motivar o despedimento, não juntar o processo disciplinar ou confessar o pedido. No caso em apreço, o TRP não considerou que existisse uma relação de dependência ou de prejudicialidade entre a acção laboral e o processo-crime; e ainda que tal se verificasse, a acção laboral, de natureza urgente, não devia ser suspensa, sob pena de constituir uma intolerável falta de acesso à justiça enquanto meio de efectivação do eventual direito do trabalhador à sua reintegração (...) completamente desproporcionada do ponto de vista da importância relativa da pronunciada comissão criminosa do aqui recorrido e ali arguido, face a (bastantes) outros arguidos.

16 de julho de 2013

Protecção dos representantes dos trabalhadores em caso de despedimento e respeito pelo dever de urbanidade

O STJ, no Ac. 04.07.2013 (Maria Clara Sottomayor), apreciou o seguinte caso:

Um determinado trabalhador, delegado sindical, subscreveu uma carta dirigida ao presidente do conselho de administração da sociedade-mãe da empregadora, na qual constam as seguintes afirmações:

"Este poder, aliado a uma relação promíscua que vem cultivando desde pouco tempo depois de assumir o cargo".
"O Dr. CC autoriza-a a fazer horas extraordinárias, todos os dias".
"O Dr. CC é visto, vezes sem conta a cochichar com a sua protegida, por tudo o que é canto da empresa, nas horas de serviço, em surdina".
"O Dr. CC deu plenos poderes à sua protegida para fechar orçamentos abaixo do seu custo real".
"O Dr. CC dirige-se aos colaboradores com a voz demasiado elevada e com raiva".
"Aos que lhe são directos e sinceros, o Dr. CC responde com a rescisão dos seus contratos de trabalho, porque lhe incomoda a frontalidade".
"A relação promíscua que o Dr. CC estabeleceu com a denominada estrela da companhia, condenável a todos os títulos, não dá mostras de vir a terminar".
"Ele persegue, ele amedronta, ele chantageia".
"Não sendo médicos, dá-nos a impressão de estar profundamente afectado psicologicamente, estando, provavelmente, a precisar de descanso ou algo mais".

Para o STJ, o trabalhador excedeu os limites do direito de crítica e por conseguinte:

a) Invadiu a privacidade do superior hierárquico e da trabalhador;
b) Formulou juízos de valor vexatórios;
c) Colocou em perigo a estabilidade do vínculo laboral de uma colega de trabalho e a sua vida familiar;
d) Ofendeu a reputação da sua colega como mulher, visto que insinua que o carácter desta relação se baseia numa toca de favores considerada, em regra, como imoral e degradante;
e) Formulou juízos quanto ao equilíbrio psicológico do gestor, com carácter pejorativo e desnecessário.

Perante isto, entendeu o STJ que o trabalhador violou o dever de urbanidade e respeito (arts. 128.º, n.º1, al. a), 351.º, n.ºs 1 e 2, al. i), do CT) e que a factualidade dada como provada é suficiente para ilidir a presunção de inexistência de justa causa (art. 410.º, n.º3, do CT), que é uma consequência do estatuto jurídico dos representantes dos trabalhadores.

9 de julho de 2013

Programa de Rescisões por Mútuo Acordo na Administração Pública

Foi publicado ontem o Programa de Rescisões por Mútuo Acordo na Administração Pública, através da Portaria n.º 221-A/2013.

Vejamos o enquadramento legal e os traços gerais deste Programa.

O Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP) foi aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro e alterado pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 124/2010, de 17 de Novembro, pela Lei n.º 64.º-B/2011, de 30 de Dezembro, e pela Lei n.º 66/2012, de 31 de Dezembro.

Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 66/2012, de 31 de Dezembro, o RCTFP regula a cessação do contrato por acordo através de um regime geral (art. 255.º do RCTFP) e de um regime especial aplicável aos trabalhadores na situação de mobilidade especial (art. 255.º-A do RCTFP). Em qualquer dos casos, a compensação a atribuir ao trabalhador corresponde no máximo a 20 dias de remuneração base por cada ano completo de antiguidade, com os seguintes limites:
a) 100 vezes a retribuição mínima mensal garantida (48.500);
b) Não pode ser superior ao montante das remunerações base a auferir pelo trabalhador até à idade legal de reforma ou aposentação (art. 256.º do RCTFP).

O acordo de cessação do contrato de trabalho deve ser celebrado por escrito e identificar as quantias pagas ao trabalhador (art. 257.º do RCTFP).

O RCTFP consagra, ainda, o direito ao arrependimento, isto é, o trabalhador pode fazer cessar os efeitos do acordo de revogação do contrato até ao 7.º dia seguinte à data da respectiva celebração, mediante comunicação escrita (art. 258.º, n.º1, do RCTFP).

Este regime sofre algumas alterações no Programa de Rescisões por Mútuo Acordo em apreço (arts. 255.º, n.º6, e 256.º, n.º1, do RCTFP).

O Programa de Rescisões por Mútuo Acordo é aplicável durante o ano de 2013 (art. 1.º da Portaria) e abrange os trabalhadores da administração directa e indirecta do Estado que reúnam as seguintes condições:

a) Tenham idade igual ou inferior a 59 anos;
b) Sejam detentores de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado; e
c) Estejam inscritos nas carreiras gerais de assistente técnico e de assistente operacional ou em carreira ou categoria subsistente constante do anexo à Portaria ou, ainda, desempenhem funções para as quais seja exigida a titularidade da escolaridade obrigatória, ainda que acrescida de formação profissional adequada ou a titularidade do 12.º ano de escolaridade ou de curso que lhe seja equiparado;
d) Se encontrem pelo menos a 5 anos de atingir o limite de idade legal para aposentação que em cada caso lhes seja aplicável (art. 2.º, n.º1, da Portaria).

Ficam excluídos os trabalhadores que, em 9.7.2013, se encontrem a aguardar decisão de pedido de aposentação ou de reforma antecipada (arts. 2.º, n.º2, e 15.º da Portaria).

A compensação a atribuir ao trabalhador corresponde à remuneração base mensal, acrescida dos suplementos remuneratórios atribuídos de forma permanente, quando for o caso, calculados após as reduções que se encontrem em vigor no momento da sua determinação, nos seguintes termos:

a) Trabalhador com menos de 50 anos de idade: 1,5 meses por cada ano de serviço;
b) Trabalhador com idade compreendida entre os 50 e os 54 anos de idade: 1,25 meses por cada ano de serviço;
c) Trabalhador com idade compreendida entre os 55 e os 59 anos de idade (art. 3.º, n.º1, da Portaria).

Os trabalhadores que pretendam beneficiar deste Programa deve requerer, por escrito, a cessação do seu contrato de trabalho entre 1.9.2013 e 30.11.2013 (art. 8.º, n.º1, da Portaria).

Caso seja autorizada a cessação por mútuo acordo, o trabalhador receberá uma proposta de acordo com indicação do valor da compensação a atribuir. Nesse caso, poderá aceitá-la no prazo de 10 dias úteis (art. 10.º, n.º1, da Portaria).

A aceitação da proposta impede o trabalhador de constituir nova relação de vinculação, a título de emprego público ou outro, incluindo prestações de serviços com os órgãos e serviços das administrações direta e indireta do Estado, regionais e autárquicas, incluindo as respetivas empresas públicas e entidades públicas empresariais e com quaisquer outros órgãos do Estado ou pessoas coletivas públicas, durante o número de meses igual ao quádruplo do número resultante da divisão do montante da compensação atribuída pelo valor de 30 dias de remuneração base, calculado com aproximação por excesso (art. 11.º da Portaria).

Este regime pode ser aplicado no âmbito das autarquias locais, desde que estas resolvam aderir ao Programa de redução de efectivos (art. 14.º, n.º1, da Portaria).

4 de julho de 2013

Denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador ou despedimento ilícito promovido pelo empregador?

 
No caso de contrato de trabalho por tempo indeterminado, o trabalhador pode denunciar o contrato de trabalho, independentemente de justa causa, desde que o faça com uma antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha uma antiguidade de até 2 anos ou de mais de 2 anos (art. 400.º, n.º1, do CT).
 
O incumprimento, total ou parcial, do prazo de aviso constitui o trabalhador no dever de pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio (art. 401.º do CT).
 
A ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar (por exemplo, o trabalhador iniciou novo trabalho para outro empregador com horário incompatível) constitui abandono de trabalho (art. 403.º, n.º1, do CT).
 
No caso de ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha sido informado do motivo da ausência, presume-se o seu abandono do trabalho (art. 400.º, n.º2, do CT).
 
O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato de trabalho, desde que
 
No caso de abandono do trabalho, o empregador deve comunicar ao trabalhador os factos constitutivos do abandono ou da sua presunção, mediante carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida do trabalhador (art. 400.º, n.º3, do CT).
 
Neste Ac. de 3-6.2013 (Pettersen Silva), o Tribunal da Relação do Porto (TRP) apreciou a seguinte questão:

Quando o trabalhador atira as chaves para cima da mesa e entrega a farda, depois de confrontado com condutas suas irregulares, e sai do trabalho e não mais comparece, ele, no momento em que atira as chaves e bate porta, digamos, denuncia tacitamente o contrato?

Para o TRP, não existiu, neste caso, uma denúncia tácita do contrato de trabalho. Nos termos do acórdão:

Não há qualquer facto que nos explique a relação entre a A. e as chaves e a farda, que nos explique as mesmas enquanto instrumentos indispensáveis, ferramentas do seu trabalho.
Digamos portanto que, no universo de situações possíveis, muitas podem explicar que o trabalhador atire as chaves para cima do balcão, com desdém, seja por exemplo que se encontre agastado, que tenha mau perder, que expluda à primeira invectiva, e que entregue a farda, seja porque é de má qualidade e se rompeu toda, e assim, dois dias de fúria decorridos, venha o trabalhador mansamente pedir uma farda nova, apresentar desculpas e explicar as condutas com que foi confrontado (o que na comunicação de despedimento também se assinala como não tendo sido feito).

Para o TRP, o contrato cessou por iniciativa do empregador, visto que este:

1. Comunicou à trabalhadora a cessação do contrato de trabalho sem precedência de processo disciplinar (Mais se informa que os seus serviços foram dispensados no dia 31 de Maio, data em que a sua pessoa foi confrontada com o exposto não tendo tido qualquer argumentação para contrariar ou negar o sucedido); o que constitui um despedimento ilícito (art. 381.º, al. c), do CT); e

2. Preencheu a Declaração de Situação de Desemprego (Modelo RP 5044) indicando como motivo da cessação a "justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador".

Este caso permite tirar duas conclusões.
 
Por um lado, um acompanhamento e aconselhamento preventivo - nomeadamente em questões laborais - pode permitir ganhos de eficiência a vários níveis para as pessoas e para as empresas (paz social, poupança de recursos financeiros e económicos, etc.).

Por outro lado, o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém.