Este blog (sobre)viverá da aplicação do Direito ao caso concreto...

30 de maio de 2013

Despedimento (ilícito) de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante

Segundo a jurisprudência dos nossos tribunais, o parecer prévio da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) (art. 63.º, n.º1, CT) é obrigatório nos casos de despedimento disciplinar, despedimento colectivo, despedimento por inadaptação, mas não nas demais formas de cessação do contrato de trabalho (por exemplo, caducidade do contrato de trabalho a termo ou revogação do contrato de trabalho). No caso de despedimento ilícito, a trabalhadora tem direito à reintegração, não podendo o empregador opor-se, ou, em alternativa, a uma indemnização agravada (30 a 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade) - art. 63.º, n.º8, CT.
No caso da caducidade do contrato de trabalho a termo, o empregador deve, apenas, comunicar à CITE o motivo da não renovação (art. 144.º, n.º1, CT).Neste Acórdão de 20.5.2013 (Ferreira da Costa), o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) considerou que o referido parecer da CITE não é obrigatório nos casos de contratos de trabalho a termo lícitos (i.e., aqueles que cumprem as formalidades previstas na lei e o motivo invocado é verdadeiro), mas também nos casos de declaração de caducidade que equivale a um despedimento ilícito, dada a inexistência ou falsidade do termo aposto no contrato. Para o TRL só haverá lugar a indemnização agravada ou majorada nos casos em que o parecer da CITE é obrigatório, ou seja, nos casos em que é observado (ainda que imperfeitamente) um determinado procedimento extintivo da relação de trabalho.De referir que o parecer da CITE não estabelece uma presunção quanto à existência ou inexistência de justa causa; por conseguinte, a acção judicial não visa confirmar ou infirmar aquele parecer, mas reconhecer a existência de justa causa (Acórdão STJ 25.6.2009 (Vasques Dinis)).

28 de maio de 2013

Procedimento disciplinar: ilícitos disciplinares e diligências instrutórias

Neste Acórdão de 16.1.2013, o STJ considerou como infracções disciplinares prejudiciais aos interesses da organização e perturbadores do equilíbrio e harmonia colectiva da empresa os seguintes comportamentos do trabalhador, ainda que praticados com culpa leve e com atenuantes: (i) faltar a uma reunião sem apresentar justificação; (ii) colocar obstáculos à marcação de reuniões; (iii) recusar colaboração com novo director; e (iv) violação do dever de urbanidade para com o novo director ("eu faço demasiado ruído e não sou Eng. nem ando todos os dias de gravata" ou com um tom agressivo e à frente dos outros colegas dizer “quem é você"?). Neste caso, a instauração de um procedimento disciplinar com aplicação de uma sanção excessiva não pode ser considerado persecutória do trabalhador para efeitos da qualificação como sanção abusiva.

Neste Acórdão de 30.4.2013, o STJ considerou que constituem justa causa de despedimento os comportamentos do trabalhador que, não obstante isoladamente não se revestirem de gravidade suficiente para fundamentar um despedimento por justa causa, tenham as seguintes características:
a) Se sucedam no tempo;
b) Sejam globalmente considerados, em interligação uns com os outros; e
c) Traduzam uma desconsideração pelos interesses dos colegas de trabalho e da imagem da empresa junto dos clientes, sendo susceptíveis de perturbar a organização da empresa e a paz laboral.
Estavam em causa, por exemplo, os factos: (i) queixas de clientes; (ii) faltas sem aviso ou com aviso no último momento que conduziam ao encerramento temporário da loja e a repreensões por parte do centro comercial ou, em alternativa, impunham aos demais colegas a obrigação de substituir o trabalhador faltoso, sem possibilidade de reorganizarem as suas vidas pessoais; (iii) dizer ao gerente de loja, em frente de clientes, "vai-me agredir novamente como da outra vez?".
Para o STJ, a violação culposa e repetida de deveres laborais, por força da perturbação gerada na organização da empresa, constitui justa causa de despedimento e torna imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral, em termos de não ser exigível à empregadora a subsistência do contrato de trabalho, por tal representar uma imposição injusta para esta
De referir que o passado disciplinar do trabalhador (por exemplo, repreensão registada), nomeadamente quando se refira a um momento imediatamente anterior ao início de novo procedimento disciplinar, constitui uma causa agravante da sua responsabilidade disciplinar.

Este Acórdão dá, ainda, nota da jurisprudência uniforme do STJ no sentido de considerar que as diligências probatórias não se circunscrevem às requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, abrangendo igualmente quaisquer outras que o instrutor do processo disciplinar decida ordenar oficiosamente. Por conseguinte, o prazo para proferir a decisão de aplicar a sanção disciplinar terá necessariamente em conta todas as diligências probatórias relevantes para a decisão da causa, independentemente de quem as requereu ou ordenou.

22 de maio de 2013

A noção de obra protegida pelo Direito de autor na jurisprudência recente do Tribunal de Justiça da União Europeia

Neste Acórdão de 4.10.2011 (Premier League), o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJ) considerou que o Direito de autor abrange os fragmentos transitórios das obras na memória de um descodificador de satélite e num ecrã de televisão, desde que tais fragmentos contenham elementos que sejam a expressão da criação intelectual dos autores em causa, devendo ser analisado o conjunto constituído pelos fragmentos simultaneamente reproduzidos para se verificar se contém esses elementos. Neste caso, o TJ entendeu que os jogos da "Premier League" não podem ser qualificados como obras protegidas pelo Direito de autor, visto que não são originais, isto é, não constituem uma criação intelectual prórpria do seu autor. Este entendimento é extensível aos demais eventos desportivos.
Neste Acórdão de 1.12.2011 (Eva-Maria Painer), o TJ considerou que um retrato fotográfico é susceptível de ser protegido pelo Direito de autor, desde que seja uma criação intelectual do autor que reflecte a sua personalidade e se manifesta pelas suas escolhas livres e criativas durante a realização dessa fotografia (entre nós, vide Ac. TRL 2.7.2009 (Octávia Viegas))
Neste Acórdão de 1.3.2012 (Football/Yahoo), o TJ considerou que uma base de dados é susceptível de ser protegida pelo Direitos de autor, desde que a seleção ou a disposição dos dados que contém constitua uma expressão original da liberdade criativa do seu autor. Segundo o TJ, não bastam os esforços intelectuais e a perícia dedicados à criação dos dados e a forma de selecção ou disposição dos dados. Assim, o trabalho e a perícia significativos exigidos devem exprimir uma originalidade na selecção ou disposição dos dados.
Neste Acórdão de 2.5.2012 (SAS Institute), o TJ considerou que, no caso de programas de computadornem a funcionalidade de um programa de computador nem a linguagem de programação e o formato de ficheiros de dados usados no âmbito de um programa de computador para explorar algumas das suas funções constituem uma forma de expressão desse programa e não estão, nessa medida, protegidos pelo direito de autor sobre os programas de computador.
Em suma, a protecção pelo Direito de Autor não é concedida apenas pelo esforço ou investimento dedicado a certa obra, devendo ser original. Reside aí, talvez, a principal dificuldade.

17 de maio de 2013

O exercício do direito de acção pelos sindicatos e o regime de isenção de custas processuais

O Supremo Tribunal Administrativo (STA), neste acórdão de uniformização de jurisprudência de 14.03.2013, apreciou a questão de saber se os sindicatos estão, ou não, isentos de custas processuais quando litigam em defesa colectiva dos direitos individuais dos seus associados, no âmbito da relação de emprego público.
O Regulamento das Custas Processuais (RCP) estabelece a isenção de custas nomedamente quando se trate de:
a) Pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável (artigo 4.º, n.º1, al. f));
b) Os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato, quando sejam gratuitos para o trabalhador, desde que o respectivo rendimento ilíquido à data da propositura da acção ou incidente, ou quando seja aplicável, à data do despedimento, não seja superior a 200 UC (artigo 4.º, n.º1, al. h)).
O STA interpretou restritivamente o primeiro caso, no sentido de que não abranger todas as situações em que estejam em causa interesses individuais dos trabalhadores. Ao invés, no segundo caso, não se deve distinguir entre a intervenção processual do trabalhador representado pelos serviços jurídicos de um sindicato e a intervenção processual do sindicado em representação do trabalhador para tutela dos seus interesses individuais; devendo verificar-se o cumprimento dos requisitos desta isenção de custas (v.g., a situação de fragilidade económica do trabalhador.
Em suma, diz o STA: De acordo com as disposições articuladas das alíneas f) e h) do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais e do artigo 310º/3 do Regime do Contrato de Trabalho na Função Pública, aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, os sindicatos, quando litigam em defesa colectiva dos direitos individuais dos seus associados, só estão isentos de custas se prestarem serviço jurídico gratuito ao trabalhador e se o rendimento ilíquido deste não for superior a 200 UC.

15 de maio de 2013

Acesso ao subsídio de desemprego: a noção de desemprego

Neste Acórdão de 14.03.2013, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) fixou jurisprudência nos seguintes termos:
A condição de sócio gerente de uma sociedade comercial, sem direito a qualquer remuneração, de um trabalhador por conta de outrem, cujo contrato de trabalho cessou, não obsta à caracterização da respectiva situação como de desemprego, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 6, número 1, do DL 119/99, de 14 de Abril, e 2, número 1, do DL 220/2006, de 3 de Novembro, respectivamente.
A norma apreciada pelo STA (art. 2.º, n.º1, do DL 220/2006) sofreu uma alteração em 2010 e passou a considerar como desemprego toda a situação decorrente da perda involuntária de emprego do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho, inscrito para emprego no centro de emprego. Cumpre, então saber se o entendimento do STA mantém actualidade.
O legislador não alterou, porém, os objectivos das prestações de desemprego, nomeadamente, compensar os beneficiários da falta de retribuição resultante da situação de desemprego (art. 6.º, al. a), do DL 220/2006). Para o STA, este sistema de protecção tem na sua base a inexistência de emprego remunerado como elemento característio do contrato de trabalho. Refira-se, aliás, que a situação de desemprego involuntário está, também, directamente relacionada com a cessação do contrato de trabalho (art. 9.º do DL 220/2006).
Assim, não basta o exercício de qualquer actividade, mesmo não remunerada, para a afastar a situação de desemprego elegível para efeitos de subsídio de desemprego.
Salvo melhor opinião, a jurisprudência do STA é actual e relevante.

6 de maio de 2013

As implicações do princípio da igualdade nas reestruturações das carreiras na Administração Pública


Nos últimos anos, o Tribunal Constitucional (TC) produziu uma jurisprudência consolidada sobre a aplicação do princípio da igualdade às reestruturações das carreiras na Administração Pública, nomeadamente em matéria remuneratória, a saber:
            a) Ac. TC 584/98: declarou inconstitucional uma norma que restringe o descongelamento na progressão nos escalões das categorias e carreiras do pessoal docente do ensino superior e de investigação, mas tão-só na medida em que o limite temporal de antiguidade na categoria, ali estipulado para a primeira e segunda fases do descongelamento, implique que funcionários mais antigos na mesma categoria passem a auferir uma remuneração inferior à de outros, de menor antiguidade e idênticas qualificações;
            b) Ac. TC 254/2000: declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, as normas que, limitando o seu âmbito a funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, permitiam o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria;
            c) Ac. TC 356/2001: declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma relativa à carreira de bombeiros sapadores, na parte em que, limitando o seu âmbito a funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, permite o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria;
             d) Ac. TC 426/2001: declarou inconstitucional as normas quando interpretadas no sentido da atribuição aos funcionários melhor classificados num concurso para progressão na carreira, imediatamente promovidos a categoria superior, de vencimento inferior ao que vem a ser atribuído aos outros funcionários que ficaram inicialmente fora das vagas postas a concurso e que, por isso, permaneceram na categoria inferior, só ulteriormente vindo a ser promovidos, no âmbito do mesmo concurso, a que todos se apre­sentaram posicionados no mesmo escalão.
             e) Ac. TC 405/2003: declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, as normas que permitem, na carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica, o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria;
            f) Ac. TC 646/2004: declarou inconstitucional a norma que, limitando o seu âmbito apenas a funcionários cuja promoção ocorreu em 1997, permite o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria;
             g) Ac. TC 323/2005: declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma que permite o recebimento de remuneração superior por funcionários que, cumulativamente, detenham menor antiguidade na categoria e na carreira;
             h) Ac. TC 105/2006: declarou inconstitucional, as normas que determinem que os funcionários com a mesma antiguidade na mesma categoria de origem – perito tributário de 2ªclasse –, mas com maior antiguidade no cargo de chefia tributária – adjunto de chefe de repartição de finanças de nível I –, auferem remuneração inferior àqueles que têm menor antiguidade no cargo de chefia e que foram nele investidos após a entrada em vigor do mesmo diploma;
             i) Ac TJ 167/2008: declarou inconstitucional a norma que determina que funcionários com a mesma ou superior antiguidade na categoria de origem e com maior antiguidade no cargo de chefia tributária auferem remuneração inferior àqueles que têm menor antiguidade no cargo de chefia e que foram nele investidos após a entrada em vigor do mesmo diploma;
             j) Ac. TC 195/2008 e Ac. TC 196/2008: declarou inconstitucional a norma segundo a qual funcionários com a mesma ou superior antiguidade na categoria de origem e com a mesma ou superior antiguidade no cargo de chefia tributária auferem remuneração inferior àqueles que têm menor antiguidade no cargo de chefia e que foram nele investidos após a entrada em vigor do mesmo diploma;
            l) Ac. TC 197/2008: acompanha a jurisprudência consolidada do TC na apreciação de normas do regime da função pública que conduzam a que funcionários mais antigos numa dada categoria passem a auferir remuneração inferior à de outros com menor antiguidade e idênticas habilitações, por virtude de reestruturações de carreiras ou de alterações do sistema retributivo em que interfiram factores anómalos, de circunstância puramente temporal, estranhos à equidade interna e à dinâmica global do sistema retributivo e sem relação com a natureza do trabalho ou com as qualificações, a experiência ou o desempenho dos funcionários confrontados;
             m) Ac. TC 378/2012: declarou inconstitucional a norma que determina que o tempo de permanência no escalão de origem não seja contabilizado, para efeito de progressão na nova escala salarial, relativamente a alguns trabalhadores - aqueles cuja integração nas novas categorias do grupo de pessoal de administração tributária acarrete um impulso salarial superior a 10 pontos, e que adquirissem em 2000, por progressão na anterior escala salarial, o direito a remuneração superior à que lhes é atribuída pelo regime de transição para as novas categorias;
             n) Ac. TC 215/2013: declarou inconstitucional a norma que determina que trabalhadores com maior antiguidade em determinada categoria do Grupo do pessoal de administração tributária (GAT) passem a auferir remuneração inferior à de trabalhadores da mesma categoria e com inferior antiguidade na mesma categoria e carreira.

3 de maio de 2013

Princípio da igualdade de tratamento nas relações de trabalho: discriminações directas e indirectas

A Directiva 75/117 do Conselho, de 10.2.1975, promoveu a primeira harmonização das legislações dos Estados-membros orientada pelo princípio da igualdade de remuneração com o objectivo de eliminar os tratamentos discriminatórios em função do sexo. Esta Directiva foi reformulada pela Directiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5.7.2006.
O TJ, no Acórdão de 28.2.2013 (Kenny), apreciou uma questão de discriminação indirecta na polícia irlandesa à luz da primeira Directiva e apontou alguns critérios de decisão, a saber:
(i) Os trabalhadores desempenham o mesmo trabalho ou um trabalho de igual valor se, tendo em conta um conjunto de fatores, como a natureza do trabalho, as condições de formação e as condições de trabalho, se puder considerar que se encontram numa situação comparável, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar;
(ii) No âmbito de uma discriminação salarial indireta, cabe ao empregador apresentar uma justificação objetiva relativamente à diferença de remuneração verificada entre os trabalhadores que se consideram discriminados e as pessoas de referência;
(iii) A justificação por parte do empregador da diferença de remuneração que revele uma aparente discriminação em razão do sexo deve referir‑se às pessoas de referência que, pelo facto de a situação dessas pessoas ser caracterizada por dados estatísticos válidos sobre um número suficiente de pessoas, que não sejam expressão de fenómenos puramente fortuitos ou conjunturais e que, de uma forma geral, parecem ser significativos, tenham sido tidos em consideração pelo órgão jurisdicional nacional para constatar a referida diferença
(iv) O interesse das boas relações laborais pode ser tido em consideração pelo órgão jurisdicional nacional entre outros elementos que lhe permitam apreciar se as diferenças entre as remunerações de dois grupos de trabalhadores se devem a fatores objetivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo e conformes com o princípio da proporcionalidade.
A Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27.11.2000estabelece um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à actividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados-Membros o princípio da igualdade de tratamento (art. 1.º).
O TJ, no Acórdão de 25.4.2013 (ACCEPT), apreciou uma questão baseada numa discriminação directa em razão da orientação sexual no acesso ao trabalho: um dirigente de um clube desportivo, em entrevista, disse que preferia utilizar um jogador da equipa júnior do que contratar um futebolista apresentado como sendo homossexual.
Na linha do Acórdão de 10.7.2008 (Feryn), a prova das bases da presunção de discriminação não depende do facto de o autor das declarações relativas à política de recrutamento de um determinada entidade ter poderes para definir directamente essa política ou para vincular ou representar a referida entidade no recrutamento de trabalhadores. Está nessa situação a pessoa que é apresentada e vista, nos media e na sociedade como sendo o principal dirigente de um clube de futebol profissional, ainda que não tenha poderes de representação dessa entidade no recrutamento de jogadores de futebol.
O afastamento da presunção de discriminação não exige a produção de prova que coloque em crise a reserva da intimidade da vida privada (v.g., alegar e provar que anteriormente já recrutou trabalhadores homossexuais). Com efeito, bastará demonstrar, por qualquer meio permitido em direito, que a sua política de recrutamento não assenta nem é influenciada por factores de discriminação em razão da orientação sexual.
A sanção para a violação do princípio da igualdade de tratamento não pode ser meramente simbólica (v.g. uma admoestação). Ainda na linha do Acórdão Feryn, o TJ considerou que uma sanção que não seja essencialmente pecuniária não é necessariamente puramente simbólica, desde que revista um grau de publicidade adequado e facilite, no quadro de eventuais acções de responsabilidade civil, a prova de uma situação discriminatória. Assim, a Directiva opõe-se a uma legislação nacional que, em caso de constatação de uma discriminação baseada na orientação sexual (...) só é possível aplicar uma admoestação (...) quando essa constatação ocorre após expirar um prazo de prescrição de seis meses a contar da data em que os factos se produziram se, em aplicação dessa mesma regulamentação, essa discriminação não for sancionada em condições substantivas e processuais que confiram à sanção um caráter efetivo, proporcionado e dissuasivo.

2 de maio de 2013

A protecção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador: regimes complementares de segurança social

Em Abril de 2013, encontramos dois Acórdãos do Tribunal de Justiça (TJ) sobre a Directiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008, relativa à protecção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador.
No Acórdão de 18.4.2013 (Mustafa), o TJ considerou que a aplicabilidade da Directiva não depende necessariamente da cessação da actividade do empregador (encerramento da actividade e liquidação). Ao invés, basta que se verifiquem dois requisitos:
a) pedido de abertura de um processo colectivo com base na insolvência do empregador; e
b) decisão de abertura desse processo ou, em caso de insuficiência do activo para justificar a abertura do processo, uma declaração do encerramento definitivo da empresa.
Para o TJ, a Directiva não obriga os Estados‑Membros a prever garantias para os créditos dos trabalhadores em cada etapa do processo de insolvência do seu empregador. Assim, os Estados-membros podem estabelecer uma data a partir da qual os créditos dos trabalhadores já não são garantidos (v.g. a partir da data da inscrição no registo comercial da decisão de dar início ao processo de insolvência, ainda que não seja determinada a cessação das actividades do empregador).
No Acórdão de 25.4.2013 (Hogan), o TJ considerou que a Directiva é aplicável aos direitos a prestações de velhice emergentes de um regime complementar de segurança social instituído pelo empregador, mas não àqueles que resultam dos regimes legais de segurança social. Por outro lado, a Directiva é aplicável quando o regime complementar de segurança social não tenha uma cobertura financeira suficiente na data da situação de insolvência do empregador e este, por força dessa situação, não disponha dos recursos necessários para pagar as cotizações suficientes para o pagamento integral das prestações devidas aos trabalhadores.
De referir que o Acórdão Hogan surge na sequência do Acórdão de 25.1.2007 (Robins), no qual o TJ considerou que, em caso de insolvência do empregador e de insuficiência de recursos dos regimes complementares de segurança social, o financiamento dos direitos adquiridos a prestações de velhice não devia ser obrigatoriamente assegurado pelos próprios Estados-membros nem ser integral. Todavia, deve ser assegurado um nível mínimo de protecção, isto é, pelo menos 50% do montante dos direitos a prestações de velhice emergentes de um regime complementar de segurança social.
Nesta linha, diz o TJ: situação económica do Estado‑Membro em causa não constitui uma circunstância excecional suscetível de justificar um nível de proteção reduzido dos interesses dos trabalhadores no que respeita aos seus direitos a prestações de velhice a título de um regime complementar de previdência profissional.
Pode ser consultado aqui o Relatório da Comissão Europeia sobre a aplicação de determinadas disposições desta Directiva.
Entre nós, a Directiva deu origem ao Fundo de Garantia Salarial, cujo Guia Prático elaborado pela Segurança Social pode ser consultado aqui.