Este blog (sobre)viverá da aplicação do Direito ao caso concreto...

30 de abril de 2013

O Direito intelectual e o acesso à informação administrativa

Sobre o conflito entre, por um lado, o direito à informação instrumental do direito de tutela jurisdicional e, por outro, os direitos intelectuais e direito ao segredo comercial ou industrial, o merecem breve referência dois Acórdãos do Tribunal Constitucional (TC).
De acordo com o Acórdão n.º 254/99 (Sousa e Brito), o direito intelectual - v.g. o regime aplicável às patentes e aos direitos de autor -, marcado por princípios de publicidade e de controlo da sua utilização por terceiros, não visa proteger o segredo comercial ou industrial, mas a exclusividade de fruição das vantagens de produtos de propriedade industrial e intelectual, nomeadamente científica. Como bem nota o TC, o proprietário tem o direito de optar pela protecção do segredo ou pela protecção da patente ou do direito de autor. Todavia, considerou justificadas algumas restrições ao direito de acesso a informação administrativa com fundamento na protecção dos direitos intelectuais. Na declaração de vencido, Bravo Serra defendeu a inconstitucionalidade das normas que, por razões de protecção de propriedade intelectual e respectivos segredos comerciais e industriais, restringem o acesso aos arquivos e registos administrativos, quando esse acesso se configure como condição instrumental indispensável para o eventual exercício da tutela jurisdicional efectiva de direitos ou interesses legalmente protegidos de quem quer aceder a tais arquivos e registos. O entendimento de Bravo Serra foi seguido por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Maria Helena Brito, Artur Maurício e Guilherme da Fonseca.
Mais recentemente, no Acórdão n.º 2/2013 (Rangel de Mesquita), o TC considerou que o regime legal de acesso à informação administrativa na fase pré-decisória do procedimento de autorização de introdução no mercado (“AIM”) de medicamentos genéricos revela de modo evidente a desprotecção dos titulares de direitos de propriedade industrial que os pretendam invocar em face da sua possível afectação, visto que o legislador, por um lado, impõe ao titular de direito industrial o recurso a um regime de arbitragem necessária; mas, por outro, apenas lhe permite o acesso à informação que é do conhecimento do público em geral, colocando em causa o direito à tutela jurisdicional efectiva. 

29 de abril de 2013

Revogação do contrato de trabalho e subsídio de desemprego

A atribuição do subsídio de desemprego depende do preenchimento de determinados requisitos, nomeadamente a verificação de uma situação de desemprego involuntário (arts. 8.º, n.º1, e 9.º do Decreto-Lei n.º 220/2006). Considera-se que o trabalhador se encontra numa situação de desemprego involuntário quando o contrato de trabalho cesse por alguma das seguintes modalidades:
a) Iniciativa do empregador (art. 9.º, n.º1, al. a), e n.º2, do Decreto-Lei n.º 220/2006);
b) Caducidade do contrato não determinada por atribuição de pensão (art. 9.º, n.º1, al. b), e n.º4, do Decreto-Lei n.º 220/2006);
c) Resolução com justa causa por iniciativa do trabalhador (art. 9.º, n.º1, al. c), e n.º5, do Decreto-Lei n.º 220/2006);
d) Acordo de revogação (arts. 9.º, n.º1, al. d), e 10.º, do Decreto-Lei n.º 220/2006).
Interessa-nos hoje apreciar a questão da cessação do contrato de trabalho através de acordo de revogação do contrato de trabalho fundamentado em motivos que permitam o recurso ao despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos (arts. 10.º, n.º4, do Decreto-Lei n.º 220/2006). Nestes casos, o contrato cessa por acordo entre o empregador e o trabalhador e não por decisão do empregador proferida no âmbito dos procedimentos de despedimento colectivo ou de extinção de posto de trabalho.
Ora, quando o acordo de revogação do contrato de trabalho teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, de que a empresa se encontrava numa das referidas situações e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego. Contudo, o empregador fica obrigado a pagar à Segurança Social o montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego (art. 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006).
Imaginemos o caso de um trabalhador não ficar numa situação de desemprego durante todo o período de concessão das prestações de desemprego, porque celebrou um novo contrato de trabalho.
Coloca-se a questão de saber se a responsabilidade do empregador abrange a totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego em abstracto (por exemplo, 540 dias) ou no caso concreto (por exemplo, 180 dias). Por outras palavras, o empregador é obrigado a pagar à Segurança Social o valor total do subsídio de desemprego que o trabalhador teria direito a receber durante o período de concessão fixado na lei ou apenas o valor do subsídio de desemprego que lhe foi efectivamente pago?
Neste Acórdão de 7.3.2013 (Paulo Pereira Gouveia), o Tribunal Central Administrativo Sul considerou que o empregador é obrigado a pagar à Segurança Social a totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego, ainda que o período de desemprego seja menor (no caso, 4 meses). Para o Tribunal, a norma do art. 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, visa combater a fraude, tendo, por isso, tem um efeito punitivo e não meramente de ressarcimento dos danos.
No mesmo sentido, podem ser consultados os seguintes Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul:
(i) Ac. 24.1.2013 (Paulo Carvalho);
(ii) Ac. 19.11.2009 (Teresa de Sousa).
A Segurança Social disponibiliza um guia prático sobre o subsídio de desemprego que pode ser consultado aqui.

(O Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, foi sucessivamente alterado pela Declaração de Rectificação n.º 85/2006, de 29 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 68/2009, de 20 de Março, pela Lei n.º 5/2010, de 5 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 72/2010, de 18 de Junho, e pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de Março)

27 de abril de 2013

Direitos de Autor: contrato de encomenda de obra

Ontem comemorou-se o Dia Mundial da Propriedade Intelectual. Nesse sentido, pareceu-nos adequado trazer um caso apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre o regime jurídico aplicável à elaboração de um livro a pedido - ou por encomenda - de outra pessoa.
No Acórdão de 11.7.2006 (Sebastião Póvoas), o STJ cuidou da qualificação do contrato para a elaboração de um livro a pedido de uma determinada empresa - impresso e distribuído por outra entidade. Colocava-se a questão de saber se se tratava de um contrato de empreitada, de edição ou de prestação de serviços.
O Acórdão recorda um caso de 1983, no qual o STJ qualificou o contrato pelo qual uma empresa se obrigou a realizar um conjunto de programas para a RTP como sendo de empreitada. Este Acórdão foi amplamente discutido na doutrina nacional; sendo que, ainda hoje, há autores que defendem a aplicabilidade do regime da empreitada aos contratos que tenham por objecto uma coisa incorpórea (obras fonográfica, fotográficas, literárias, etc.)
Cinco anos depois, o STJ qualificou o contrato pelo qual uma pessoa se obrigou a retratar outra num quadro a óleo como sendo um contrato de prestação de serviços inominado.
Como bem refere o STJ, no Acórdão de 2006, deve procurar-se distinguir entre a obra intelectual do seu suporte físico, isto é, da sua materialização (vg. livro) ou fixação (vg. cd). Assim, será de qualificar como contrato de encomenda (contrato de prestação de serviços inominado), sendo aplicável as regras do mandato, o contrato através do qual uma partes se obriga perante outra para a criação de obra intelectual (vg. fonográfica, fotográficas, literárias, etc.). Todavia, a referida obra pode ser criada no âmbito de uma relação laboral (vg. jornalistas, fotógrafos, etc.), sendo, nesse caso, objecto de regulação específica.
Por seu lado, o contrato de edição seria aplicável aos casos em que uma parte se obriga perante outra para editar e publicar certa obra, podendo o autor ceder temporária ou permanentemente os direitos autorais patrimoniais.

26 de abril de 2013

Haverá um Direito do trabalho bancário?

A jurisprudência laboral relativa ao sector bancário é vasta e rica e permite identificar determinados comportamentos tipicamente ilícitos que concretizam o conceito de justa causa de despedimento nas áreas financeiras. 
Ao nível organizativo, as instituições de crédito têm estruturas ou secções para fiscalizar o escrupuloso cumprimento das obrigações legais, regulamentares e éticas dos seus trabalhadores que, no entanto, não têm competência disciplinar. Nesse sentido, parece existir, no empregador, uma dissociação interna entre o poder de fiscalização e o poder disciplinar
Vejamos alguns casos jurisprudenciais recentes:

STJ 5.3.2013 (Pinto Hespanhol)
Em resposta à questão colocada aquio prazo de caducidade da acção disciplinar tem apenas por referência o empregador (no caso, o conselho de administração) ou o superior hierárquico com competência disciplinar. Na falta de delegação de competências, será irrelevante o conhecimento dos ilícitos por parte da Direcção de Recursos Humanos ou da Direcção de Auditoria Interna.
O STJ considerou, neste caso, que a violação do dever de atribuir funções correspondentes à actividade contratada (gerente de balcão), durante cerca de 2 anos, constitui o empregador no dever de indemnizar por danos não patrimoniais. No caso, o empregador foi condenado a pagar uma indemnização no montante de € 10.000,00.

STJ 8.1.2013 (Fernandes da Silva)
No plano de valoração desta norma, não pode descurar-se o sector de actividade (bancária) em que se desenvolve a prestação contratada e a particular exigência da componente fiduciária nela pressuposta, domínio em que a “confiança”, mais que mero “suporte psicológico” de uma relação jurídica inter-pessoal duradoura, se traduz afinal no exercício de uma “função de confiança”, essencial na organização técnico-laboral criada e mantida pelo empregador.
Exige-se dos trabalhadores bancários uma postura de inequívoca transparência, insuspeita lealdade de cooperação, idoneidade e boa fé na execução das suas funções, respeitando escrupulosamente as regras do contrato (as decorrentes da Lei geral e, particularmente, as constantes das normas internas que disciplinam a sua intervenção profissional).
É de afirmar a justa causa do despedimento, atenta a lesão da imagem pública de confiança e segurança da instituição bancária, decorrente da violação do dever de lealdade, quando está demonstrado que a A., à revelia das regras que conhecia perfeitamente por força do exercício das suas funções, pediu, repetidamente, empréstimos a clientes da sua empregadora, para fazer face a despesas pessoais e/ou de empresas familiares, não sendo de relevar, na concretização do juízo subsumível à noção de justa causa, as garantias e pontualidade na satisfação, por parte da A., dos respectivos compromissos assumidos com esses clientes da R.

STJ 21.11.2012 (Fernandes da Silva)
O trabalhador bancário que, repetidamente, aprova limites de crédito a descoberto, em contas abertas sem cumprimento dos requisitos exigidos pelas Instruções de Serviço, não fiscaliza essas contas e autoriza pagamentos a descoberto sem que detenha poderes creditícios para o efeito, viola os deveres de obediência, zelo e lealdade, violação essa que, pela sua gravidade, justifica o cominado despedimento.

STJ 31.10.2012 (António Leones Dantas)
O trabalhador está abrangido pelo sigilo bancário e, por isso, não pode juntar a um processo judicial documentos que estejam na sua posse, sob pena de violação do dever de segredo (ilícito disciplinar). A referida junção constitui uma quebra do referido dever de segredo ou sigilo, visto que permite o acesso a informação protegida, pelo menos, por parte do Tribunal, de todos os profissionais envolvidos na acção e das demais pessoas que possam aceder de forma legítima aos autos. A utilização destes documentos em juízo só poderia verificar-se após cumprimento dos procedimentos necessários ao levantamento do dever de segredo. 

STJ 12.9.2012 (António Leones Dantas)
Viola grave e culposamente os deveres de obediência e de lealdade, consagrados nas alíneas e) e f), do n.º1 e no n.º 2 do artigo 128.º, do mesmo Código do Trabalho, o trabalhador responsável pela gestão de agência bancária que, para fazer face a descobertos, altera os limites de crédito que lhe estão atribuídos em contas de que é titular naquela agência, visando impedir dessa forma que os mesmos descobertos fossem detectados pelos mecanismos de controlo interno da instituição;
A conduta do trabalhador descrita nos números anteriores quebra de forma irreparável a relação de confiança entre as partes que é essencial à relação de trabalho no âmbito de instituições bancárias, tornando inexigível a sua manutenção e integra, por tal motivo, justa causa de despedimento.

STJ 5.7.2012 (Pinto Hespanhol)
Provando-se que o trabalhador, que exercia as funções de director de balcão, com o desrespeito pelos mais elementares deveres de cautela da actividade bancária e sem garantias sólidas, aprovou créditos de valor considerável, permitiu saldos devedores por montantes e períodos superiores ao regulamentado e desobedeceu, conscientemente, a normas atinentes à concessão de crédito, violou, culposamente e de forma grave, os deveres de realizar com zelo e diligência as funções que lhe estavam confiadas, de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução do trabalho e de guardar lealdade ao empregador, previstos no artigo 128.º, n.º 1, alíneas c), e) e f) do Código do Trabalho de 2009.
Neste contexto, o trabalhador, com o seu comportamento grave e culposo, pôs em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho e que, insubsistindo, torna imediata e praticamente impossível a respectiva manutenção, que não é razoável exigir à empregadora, verificando-se, assim, justa causa para o despedimento, nos termos do artigo 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009.


STJ 23.11.2011 (Fernandes da Silva)
É de afirmar a justa causa do despedimento, atenta a quebra da relação de confiança, quando está demonstrado que o A., à revelia das regras que conhecia perfeitamente por força do exercício das suas funções, alterou, sucessivamente, os plafonds dos cartões de crédito que lhe estavam afectos, sem a devida autorização hierárquica, com movimentações cruzadas entre duas contas bancárias de que era titular, em inobservância das correspondentes normas procedimentais de controlo instituídas pela R., consubstanciando-se, assim, uma conduta fora da imperativa transparência exigível no comportamento do trabalhador bancário, não sendo de relevar, na concretização do juízo subsumível à noção de justa causa, os montantes dos valores monetários em causa, a reposição dos eventuais prejuízos, ou mesmo a sua inverificação real.

STJ 23.11.2011 (Pinto Hespanhol)
O apurado comportamento da autora — apropriação de valores entregues pelos clientes da ré para depósito nas respectivas contas bancárias para afectar ao seu proveito pessoal e a execução de operações de liquidação, anulação e/ou lançamento de montantes nas aludidas contas bancárias em desconformidade com as determinações dos respectivos titulares, de forma a obter para si os montantes nessas operações reportados e manipular registos informáticos correspondentes a esses movimentos — violou, grave e culposamente, o dever de lealdade previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho de 2003.
Com efeito, exige-se dos trabalhadores bancários que assumam uma postura de inequívoca transparência e que exerçam as suas funções de forma idónea, leal e de plena boa fé, com respeito pelas disposições legais e pelas normas emanadas dos respectivos Conselhos de Administração, de forma a preservar a imagem dos bancos empregadores enquanto instituições, pelo que a autora, com o seu comportamento grave e culposo, pôs em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho e que, insubsistindo, torna imediata e praticamente impossível a sua manutenção, verificando-se, assim, justa causa para o despedimento.

25 de abril de 2013

Extinção de posto de trabalho: algumas notas

Com a Reforma do Código do Trabalho de 2012 (Reforma), foi eliminada a regra da prioridade na concretização do posto de trabalho a extinguir quando existisse uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico na secção ou estrutura equivalente abrangida. Esta norma conduzia a um tratamento discriminatório - injustificado? - baseado apenas na antiguidade (last in, first out). Em sua substituição, o legislador optou por conceitos (largamente) indeterminados carecidos de concretização pela jurisprudência e a doutrina:  cabe ao empregador definir, por referência aos respetivos titulares, critérios relevantes e não discriminatórios face aos objetivos subjacentes à extinção do posto de trabalho (art. 368.º, n.º2, do CT 2009). Esta solução foi igualmente utilizada para a concretização da justa causa nesta modalidade de despedimento. Até então, considerava-se que a subsistência da relação de trabalho era praticamente impossível quando o empregador não dispusesse de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador. Em sua substituição, o legislador optou por atribuir ao empregador o ónus de demonstrar ter observado critérios relevantes e não discriminatórios face aos objetivos subjacentes à extinção do posto de trabalho (art. 368.º, n.º4, do CT 2009).
Devemos ter presente que estas soluções resultam do compromisso assumido no Acordo Tripartido de 2012, no qual se estabeleceram as seguintes directrizes:
a) Quando na secção ou estrutura equivalente da empresa haja uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico e se pretenda proceder à extinção de apenas um ou de alguns deles, deve ser atribuída ao empregador a possibilidade de fixar um critério relevante não discriminatório face aos objetivos subjacentes à extinção, que permita selecionar o posto de trabalho a extinguir, mediante o procedimento e as consultas previstos nos artigos 369.º e 370.º do Código do Trabalho;
b) Deve ser eliminada a obrigação de colocação do trabalhador em posto compatível.
Posto isto, colocam-se algumas questões. Entre elas, será de manter a seguinte jurisprudência:
(i) Ac. STJ 15.3.2012 (Fernandes da Silva):
A impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho tem de decorrer da demonstração de factualidade que revele que, extinto o posto de trabalho em apreço, inexistia outro compatível com a categoria do trabalhador, competindo a prova dessa circunstância ao empregador.
É de considerar ilícito o despedimento quando está demonstrado que a R., após a cessação do contrato da A. – para além de não ter, sequer, tentado recolocá-la a exercer quaisquer outras funções compatíveis com a sua categoria profissional – contratou outra pessoa para desenvolver parte das funções que até então aquela desenvolvia e atribuiu algumas outras dessas funções a pessoas que já trabalhavam para a R., mas com menor antiguidade que a A.
(ii) Ac. TRL 10.4.2013 (Seara Paixão):
Atendendo ao critério de atribuição de posto compatível, o TRL considerou que o trabalhador podia recusar legitimamente o outro posto de trabalho compatível, caso tal situação implicasse uma redução da retribuição. Por outro lado, não constituía fundamento para a extinção do posto de trabalho a necessidade de mudança de assessor sempre que mudasse o Director, pois tal constituiria uma mera substituição de um trabalhador por outro.
(iii) Ac. TRL 25.1.2012 (Paula Sá Fernandes):
Mesmo não se pondo em causa a necessidade da extinção do posto de trabalho por razões económicas, não resultou apurado que a extinção do posto de trabalho da autora tivesse de implicar o seu despedimento face à inexistência de uma alternativa
Com efeito, o limitar-se a análise financeira a um departamento, onde a autora se encontrava inserida, a recorrente não motivou adequadamente o despedimento, pois mesmo que existam razões económicas que justifiquem a extinção de um posto de trabalho naquele departamento, face à redução do serviço decorrente do declínio das vendas da revistas produzidas no mesmo, a ré não demonstrou que não dispunha de um outro posto de trabalho compatível com a categoria da autora, dado possuir mais 18 de departamentos sobre os quais nada disse.
Uma última questão. Os motivos que justificam o despedimento por extinção de posto de trabalho devem ser actuais?
Neste Acórdão de 7.7.2009 (Pinto Hespanhol), o STJ teve em consideração que entre as decisões de encerramento das salas de cinema e de despedimento do trabalhador decorreram 3 anos, sem que fosse possível identificar um nexo de adequação entre a cessação dessa exploração e a extinção do posto de trabalho.
Neste Acórdão de 21.3.2013 (Machado da Silva), o Tribunal da Relação do Porto (TRP) parece apontar para uma desconsideração da actualidade dos motivos da extinção de posto de trabalho, visto que, no caso concreto, entre a reestruturação da empresa laboral e a data do início do procedimento de extinção do posto de trabalho decorreram cerca de 13 anos.
Assim, pela nossa parte, diríamos que a actualidade dos motivos não é decisiva, desde que seja possível estabelecer dois nexos de causalidade sucessivos: entre o motivo e a decisão de reestruturação e entre esta e a decisão de despedimento.

24 de abril de 2013

Procedimento disciplinar em caso de ilícito simultaneamente disciplinar e penal: prescrição e caducidade

Em regra, empregador pode exercer o poder disciplinar no prazo de 1 ano após a prática da infracção disciplinar. Contudo, o legislador admite a aplicação do prazo de prescrição previsto na lei penal, se o comportamento do trabalhador constituir igualmente crime (art. 329.º, n.º1, do CT). Dito de outro modo, o empregador pode instaurar um procedimento disciplinar contra o trabalhador até 1 ano a contar da prática do facto ilícito, salvo se a lei penal estabelecer um prazo de prescrição mais alargado.
O Tribunal Constitucional (TC), neste Acórdão de 19.12.2011, considerou que a aplicação do prazo de prescrição previsto na lei penal não depende do exercício do direito de queixa, isto é, ainda que não apresente queixa-crime, o empregador pode exercer o poder disciplinar durante o prazo de prescrição mais alargado previsto para o tipo de crime que esteja em causa no caso concreto.
De referir que o prazo de prescrição em apreço deve ser articulado com o prazo de caducidade que determina o dever de iniciar o processo disciplinar nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior com competência disciplinar, teve conhecimento do comportamento ilícito do trabalhador (art. 329.º, n.º2, do CT). Cumpre colocar uma questão: esta norma não deveria ser, também, aplicável aos casos em que o empregador tem uma estrutura de fiscalização e auditoria interna com o objectivo de verificar o cumprimento das normas legais e regulamentares, embora o poder disciplinar não esteja delegado?

23 de abril de 2013

Conversão em contrato a termo após reforma por velhice ou idade de 70 anos

O contrato de trabalho por tempo indeterminado ("efectivos") converte-se em contrato de trabalho a termo, quando o trabalhador permanece ao serviço do empregador decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da passagem à situação de reforma por velhice (art. 348.º, n.º1, do CT). Este novo contrato a termo não está sujeito a forma escrita e tem uma duração de 6 meses, sendo renovável por iguais períodos indefinidamente (art. 348.º, n.º2, als. a) e b), do CT). Qualquer das partes pode promover a cessação deste contrato, desde que o faça com uma antecedência de 60 dias (empregador) ou 15 dias (trabalhador), não tendo o trabalhador direito a qualquer compensação pela cessação do contrato de trabalho (art. 348.º, n.º2, als. c) e d), do CT), sem prejuízo do direito às denominadas contas finais.
Este regime é aplicável ao contrato de trabalho de trabalhador que atinja os 70 anos de idade, independentemente do facto de não ter passado à situação de reforma (art. 348.º, n.º3, do CT).
O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJ) teve a oportunidade de se pronunciar sobre experiências semelhantes de outros países. Cumpre fazer-lhe uma breve referência.
Neste Acórdão de 22.11.2005 (Mangold), o TJ considerou admissível que, por razões decorrentes da necessidade de promover o emprego, reduziu a idade a partir da qual se podem celebrar sem restrições contratos de trabalho a termo (no caso, inferior a 60 anos de idade). Todavia, não será admissível uma legislação que utilize a idade do trabalhador como único critério para a celebração de contrato de trabalho a termo, sem que seja demonstrado que um limite de idade, independentemente de qualquer outra consideração quanto ao mercado de trabalho ou à situação pessoal do trabalhador, é objectivamente necessária à realização do objectivo de inserção profissional dos trabalhadores mais velhos em situação de desemprego. Por conseguinte, não é conforme com o Direito da União Europeia uma norma que autorizesem restrições, desde que não exista uma relação estreita com um anterior contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado com o mesmo empregador, a celebração de contratos de trabalho a termo, quando o trabalhador tenha atingido a idade de 52 anos.
Por sua vez, neste Acórdão de 16.10.2007 (Palacios de la Villa), o TJ considerou que o Direito da União Europeia não se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, segundo a qual são consideradas válidas as cláusulas de reforma obrigatória que constam das convenções colectivas e que exigem, como únicas condições, que o trabalhador tenha atingido o limite de idade para a reforma, fixado em 65 anos pela legislação nacional, e que preencha os outros critérios em matéria de segurança social para ter direito a uma pensão de reforma no regime contributivo, desde que:
a) a referida medida, embora baseada na idade, seja objectiva e razoavelmente justificada, no quadro do direito nacional, por um objectivo legítimo relativo à política de emprego e ao mercado de trabalho;
b) os meios utilizados para realizar esse objectivo de interesse geral não sejam apropriados e desnecessários para esse efeito.
Três anos depois, neste Acórdão de 12.10.2010 (Rosenbladt), o TJ considerou que o Direito da União Europeia não se opõe:
a) a uma norma nacional que considere válidas as cláusulas de cessação automática dos contratos de trabalho por o trabalhador ter atingido a idade de passagem à reforma, na medida em que, por um lado, a referida disposição se justifique objectiva e razoavelmente por um objectivo legítimo relativo à política de emprego e do mercado de trabalho e, por outro, os meios para realizar este objectivo sejam apropriados e necessários; e 
b) a cláusulas de cessação automática dos contratos de trabalho dos trabalhadores que tenham atingido a idade de passagem à reforma fixada nos 65 anos.
Recentemente, neste Acórdão de 5.7.2012 (Hörnfeldt), o TJ considerou admissível uma norma que permita ao empregador fazer cessar o contrato de trabalho de um trabalhador apenas com base no facto de este atingir a idade de 67 anos e que não tem em consideração a pensão de reforma que o interessado receberá, uma vez que é objetiva e razoavelmente justificada por um objetivo legítimo relativo à política de emprego e do mercado de trabalho e constitui um meio apropriado e necessário para a sua realização.
Ainda que sujeita a algumas oscilações valorativas, a jurisprudência do TJ parece apontar para a flexibilização - ou admissibilidade generalizada - da contratação a termo de trabalhadores com idade mais avançada (a partir dos 50 anos de idade?). Entre nós, a questão poderá colocar-se, também, ao nível constitucional, tendo em conta a interpretação reforçada do princípio da segurança no emprego.

22 de abril de 2013

Contrato de trabalho e administração de sociedade: análise sumária da jurisprudência constitucional

O art. 398.º do CSC dispõe o seguinte:
1 - Durante o período para o qual foram designados, os administradores não podem exercer, na sociedade ou em sociedades que com esta estejam em relação de domínio ou de grupo, quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, subordinado ou autónomo, nem podem celebrar quaisquer desses contratos que visem uma prestação de serviços quando cessarem as funções de administrador. 
2- Quando for designado administrador uma pessoa que, na sociedade ou em sociedades referidas no número anterior, exerça qualquer das funções mencionadas no mesmo número, os contratos relativos a tais funções extinguem-se, se tiverem sido celebrados há menos de um ano antes da designação, ou suspendem-se, caso tenham durado mais do que esse ano.
O Tribunal Constitucional (TC) pronunciou-se, pelo menos, quatro vezes sobre estas normas.
No Acórdão n.º 1018/96, o TC considerou que o art. 398.º, n.º2, do CSC, consagra uma nova causa de extinção do contrato de trabalho, isto é, uma causa cessação que não estava anteriormente prevista na lei. Como tal, esta norma tem repercussão directa e imediata no contrato de trabalho, devendo considerar-se abrangida pelo conceito de legislação do trabalho; todavia, os representantes dos trabalhadores não tiveram a oportunidade de participar na sua elaboração. Por conseguinte, julgou-a inconstitucional na parte em que considera extintos os contratos de trabalho, subordinado ou autónomo, celebrados há menos de um ano contado desde a data da designação de uma pessoa como administrador e a sociedade que, com aquela, estejam em relação de domínio ou de grupo e, em consequência.
No Acórdão n.º 259/01, o TC apreciou a outra vertente do art. 398.º, n.º2, do CSC: a da suspensão do contrato de trabalho. Nesta parte da previsão normativa, o TC entendeu que não se verificou qualquer inovação face à orientação jurisprudencial vigente: a suspensão do contrato de trabalho pelo exercício de funções de administração. Assim, não se verifica uma directa repercussão na situação jurídica dos trabalhadores, pois não inova na regulamentação jurídica substantiva desses trabalhadores, sendo dispensável a consulta prévia das organizações representativas dos trabalhadores. Por conseguinte, decidiu não julgá-la inconstitucional na parte em que determina a suspensão dos contratos de trabalho subordinado celebrados há mais de um ano com pessoa que seja nomeada administrador da sociedade anónima sua entidade patronal.
No Acórdão n.º 539/2007, o TC decidiu não declarar inconstitucional a norma do art. 398.º, n.º1, do CSC, na medida em que não regula posições jurídicas de trabalhadores, tendo como destinatário o administrador da sociedade. Nesse sentido, não tem efeito directo e imediato na relação de trabalho (não é legislação do trabalho) e, por isso, não está sujeita à audição das estruturas representativas dos trabalhadores. Por outro lado, a norma não coloca em causa a liberdade de escolha de profissão, porque pressupõe a prévia escolha pela função de administrador. Por fim, não coloca em causa a segurança no emprego e o direito ao trabalho, visto que não consagra uma causa de extinção do contrato de trabalho, mas apenas a sua invalidade por força das normas de direito societário. A norma visa  impedir qualquer aproveitamento daquelas funções em benefício próprio, estabelecendo-se tal proibição independentemente de se saber se, em concreto, tal situação era ou não susceptível de causar prejuízos à sociedade; e salvaguardar o exercício desinteressado (imparcial) das competências que estão atribuídas à administração de uma sociedade e que, em muitos casos, serão conflituantes com um vínculo de subordinação jurídica com essa mesma sociedade.
No Acórdão n.º 626/2011, o TC reiterou o entendimento propugnado anteriormente no Acórdão n.º 1018/96. Assim:
(...) a norma em apreciação enquadra-se no conceito de “legislação laboral”, é inovadora e não resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 262/86 que tivesse sido dada aos organismos representativos dos trabalhadores a possibilidade de participarem na elaboração do artigo 398.º, n.º 2. Há, por isso, que a julgar inconstitucional, por violação dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, na redacção vigente em 1986.
Neste último caso, o Juiz Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira, na sua declaração de voto, propõe uma distinção entre as intervenções directas sobre matéria laboral e as intervenções que interferem, de forma acidental ou meramente episódica, em matéria laboral. Ora, o art. 398.º, n.º2, do CSC, seria subsumível a esta segunda categoria; assim, não tem natureza laboral porque visa disciplinar as sociedades que tenham por objecto a prática de actos de comércio. Por outro lado, esta norma não interfere na definição de qualquer tipo de direitos ou deveres dos trabalhadores que devesse reclamar a intervenção de representantes sindicais, e não altera o quadro legal em que se desenvolve o regime do contrato individual de trabalho, incluindo a sua cessação.
Em nosso entender, a jurisprudência (agora maioritária) do TC sobre o art. 398.º, n.º2, do CSC, está no caminho certo, visto que o conceito de legislação do trabalho deve ser entendido de forma ampla, não havendo lugar a distinções que, no limite, se mostrariam artificiais. De todo o modo, parece-nos que o legislador quis regular os efeitos laborais das relações de administração e, como tal, devia sujeitar-se às limitações do processo legislativo constitucionalmente previstas.
Ficam algumas questões por resolver: (i) a lacuna resultante desta linha jurisprudencial deve ser preenchida pela regra da suspensão do contrato de trabalho?; (ii) justifica-se um entendimento distinto sobre a nulidade, a suspensão e a extinção do contrato de trabalho como resultado de uma relação de administração?; (iii) de iure condendo, a relação laboral é incompatível com a relação de administração?

21 de abril de 2013

Cessação do contrato de trabalho: comunicação do empregador e a sua revogação

Em 6.1.1993, o STJ considerou que a denúncia do contrato de trabalho a termo pelo empregador consistia numa declaração unilateral, formal e receptícia que podia ser revogada pelo empregador até ao termo do prazo acordado para a vigência do contrato. Por outro lado, a revogação da denúncia era igualmente uma declaração unilateral receptícia, mas não estava sujeita a forma escrita e produzia efeitos independentemente da vontade do trabalhador. Por curiosidade, foram dados como provados os seguintes factos:
- em 21 de Janeiro de 1985 foi celebrado, entre o Autor e a Ré, um contrato de trabalho a prazo certo de 6 meses e pelo qual aquele se obrigava, mediante remuneração, a prestar, sob autoridade e direcção desta, a função de carteiro, na Central de Correios de Coimbra (documento n.º 1) e que se renovou automaticamente por mais 6 meses;
– por carta registada com aviso de recepção, datada de 8 de Janeiro de 1986 e pelo A. recebida no dia imediato, foi-lhe comunicado que tal contrato, que terminava em 24 de Janeiro de 1986, não seria renovado (documento n.º2); 
– em 22 de Janeiro de 1986, os serviços competentes da Ré escalaram normalmente o A. para o serviço, o que veio sempre a acontecer desde aquela data e até à cessação do contrato sub judice, ocorrida em 21 de Janeiro de 1987 (…) (Cfr. AD, 377.º, pp. 587-589).
Refira-se, aliás, que este entendimento foi seguido noutros Acórdãos de Tribunais superiores (por exemplo, aqui e aqui).
Podia colocar-se a seguinte questão: a comunicação do empregador pode ser revogada unilateralmente, a todo o tempo e ao abrigo da liberdade de forma?
Aquela (aparente) corrente jurisprudencial encontra-se hoje afastada. Vejamos alguns exemplos:
a) STJ (Pereira Rodrigues) 23.11.2011
A revogação da comunicação da não renovação do contrato de trabalho a termo por parte da entidade empregadora terá também que obedecer à forma escrita, por as razões da exigência especial da forma escrita lhe serem aplicáveis (artigo 221.º, n.º 2 do CC).

A declaração de vontade que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder, ou é dele conhecida, e torna-se irrevogável a partir dessa ocorrência (artigos 224°, n° 1, e 230°, n° 1, do CC).
O empregador, que pretenda efectuar a revogação da declaração da caducidade do contrato a termo, carece não só de a fazer por escrito, como também de fazer chegar esse escrito ao trabalhador antes ou ao mesmo tempo que a declaração da caducidade, como sucede, em termos gerais, com a revogação da aceitação ou da rejeição da proposta contratual (artigo 235.º do CC).

b) TRE (João Nunes) 21.02.2013
O despedimento consubstancia uma declaração receptícia ou recipienda que se torna eficaz logo que chega ao poder do destinatário, ou é dele conhecida, sendo a partir desse momento irrevogável, salvo declaração em contrário.
A declaração negocial deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria.
Constitui um despedimento, por extinção do posto de trabalho, a comunicação enviada pela entidade empregadora ao trabalhador, em 2 de Março de 2009, em que declara que devido a «decréscimo significativo de trabalho o seu posto de trabalho será extinto a partir de 31/03/2009», ainda que a eficácia do despedimento se encontre sujeita a este termo.
A referida eficácia do despedimento só será prejudicada se antes do esgotamento do prazo indicado de aviso prévio sobrevier outra causa extintiva, designadamente a decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador.
Em conformidade com as proposições anteriores, não podia a entidade empregadora, unilateralmente, e por comunicação de 19 de Março de 2009, dar sem efeito a anterior comunicação de cessação do contrato, por extinção do posto de trabalho.
Do facto do trabalhador não ter respondido à comunicação da entidade empregadora de 19 de Março – de dar sem efeito a anterior comunicação, de cessação do contrato em 31 de Março seguinte – e de ter trabalhado até este último dia, não se retira que o mesmo trabalhador aceitou a revogação da comunicação de cessação do contrato que lhe havia sido efectuada em 2 de Março de 2009. 

Neste Acórdão é referida jurisprudência do STJ no que toca à natureza de declaração receptícia da comunicação de despedimento: STJ (Vasques Dinis) 22.10.2008 e STJ (Pinto Hespanhol) 27.02.2008.
Assim, parece resultar dos casos acima referidos que o empregador pode revogar unilateralmente a declaração de cessação do contrato de trabalho, desde que o faça sob a mesma forma e até ao momento em que aquela chega ao poder do trabalhador, ou é dele conhecida. A partir desse momento, a revogação da declaração de cessação do contrato de trabalho só produz efeitos com o consentimento, expresso ou tácito, do trabalhador (visto que a celebração de contrato de trabalho não está, em regra, sujeita a forma escrita).

19 de abril de 2013

Mediação laboral: novidades legislativas?

Foi publicada hoje a Lei n.º 29/2013, a qual estabelece os princípios gerais aplicáveis à mediação realizada em Portugal, bem como os regimes jurídicos da mediação civil e comercial, dos mediadores e da mediação pública.
As regras relativas à mediação civil e comercial não são aplicáveis aos litígios passíveis de serem objeto de mediação laboral (art. 10.º, n.º2, al. b). Todavia, de acordo com o seu art. 46.º, esta lei é aplicável à mediação de conflitos coletivos de trabalho apenas na medida em que não seja incompatível com o disposto nos artigos 526.º a 528.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.
Recorde-se que os processos de resolução dos litígios emergentes de contrato de trabalho, nomeadamente através de conciliação, mediação ou arbitragem, podem ser regulados por convenção colectiva (art. 492.º, n.º2, al. f), do CT). Por outro lado, na falta de regulamentação convencional sobre conflitos colectivos de trabalho, é aplicável o regime previsto nos arts. 526.º e seguintes do CT (art. 526.º, n.º2, do CT).
Pode ser encontrada informação aqui sobre o "Sistema de Mediação Laboral".

O conflito entre o crédito garantido por hipoteca e os créditos laborais garantidos por privilégios creditórios: jurisprudência constante?

De acordo com o art. 333.º, n.º1, al. b), os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam de privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.
Neste Acórdão, o TRG considerou que este privilégios creditório prefere sobre o crédito garantido por hipoteca, ainda que esta tenha sido constituída antes da entrada em vigor do Código do Trabalho. Na sua fundamentação, são referidos dois Acórdãos do TC (aqui e aqui), sendo que no primeiro encontramos os seguintes argumentos:
a) estes privilégios creditórios incidem sobre bens imóveis do empregador ao serviço do qual estão os trabalhadores beneficiários; esta ligação ou afectação do trabalhador ao seu local de trabalho atenua o carácter oculto e imprevisível para o credor com garantia real registada da possibilidade de virem a existir os referidos créditos. Trata-se de um argumento que nos parece pertinente. Com efeito, aquele que financia a instalação de uma fábrica ou de um restaurante não pode, de boa fé, dizer que desconhecia a possibilidade de naquelas unidades virem a existir trabalhadores;
b) a limitação à confiança resultante do registo é um meio adequado e necessário à salvaguarda do direito dos trabalhadores à retribuição; na verdade, será, eventualmente, o único e derradeiro meio, numa situação de falência da entidade empregadora, de assegurar a efectivação de um direito fundamental dos trabalhadores que visa a respectiva “sobrevivência condigna";
c) a existência condigna designa o carácter alimentar e não meramente patrimonial do crédito salarial;
d) a tutela constitucional da retribuição (art. 59.º, n.º1, al. a), CRP) abrange o salário e a indemnização emergentes do despedimento, na medida em que esta tem uma evidente função de substituição do direito ao salário perdido.
Neste outro Acórdão, o TRG aplicou o privilégio creditório em apreço aos créditos laborais de trabalhadores que prestam as actividades de motoristas, vendedores, promotores publicitários, técnicos de assistência a clientes, entre outros. Para o TRG, esta garantia não abrange apenas os créditos de trabalhadores que tenham uma ligação estritamente física e permanente aos imóveis para o exercício das suas funções; ao invés, a norma visa apenas excluir todos os imóveis que, no caso de insolventes singulares, estão exclusivamente destinados à fruição pessoal do empregador. 
Este entendimento da norma visa eliminar uma desigualdade (injustificada) entre os trabalhadores que prestam a sua actividade nas instalações físicas do empregador (v.g., na fábrica, no escritório, no restaurante, no armazém) e os trabalhadores que, pela natureza da sua categoria profissional, só ocasionalmente tenham contacto com aquelas instalações.
Fica, ainda, a seguinte questão: o crédito emergente de um acordo de revogação do contrato de trabalho estará, também, garantido por privilégio creditório? Recorde-se que, neste Acórdão, foi considerado que a regra especial da prescrição não se aplicava ao acordo de revogação do contrato de trabalho, porque não se tratava de um crédito directamente emergente do contrato de trabalho. 

O assédio moral (in)existe: requisito oculto?

Segundo o TRC, neste Acórdão, a fronteira entre o conflito laboral e o assédio moral está na intencionalidade. O assédio moral deve ser sistemático e repetitivo e consistir numa conduta persecutória intencional do empregador com vista à cessação do contrato de trabalho promovida pelo trabalhador, isto é, forçá-lo a desistir do trabalho. Por conseguinte, o Tribunal afastou expressamente o assédio moral em vários casos, reconduzindo-os a meros "conflitos organizacionais" quando falte a referida intencionalidade:
a) stress;
b) injúrias do empregador ou dos superiores hierárquicos;
c) agressões (físicas e verbais) ocasionais não premeditadas;
d) assédio sexual;
e) racismo;
f) condições de trabalho insalubres ou perigosas;
g) constrangimentos profissionais (v.g. o legítimo exercício do poder hierárquico e disciplinar na empresa, como a avaliação de desempenho ou o processo disciplinar).
No mesmo sentido, aqui e aqui.
As situações de assédio moral são, por natureza, difíceis de encontrar por força das dificuldades de prova. Não recusamos que a intenção de levar o trabalhador a despedir-se pode existir em muitos casos de assédio; todavia, parece-nos algo discutível exigir a demonstração dessa intenção em todos os casos.
No limite, não constituirá assédio quando um superior hierárquico adopta comportamento vexatório sistemático, repetitivo e público (por exemplo, perante outros colegas de trabalho) com o objectivo apenas de realizar uma vingança pessoal contra um trabalhador em concreto?
O requisito oculto - que é referido pela doutrina como consequência última das situações de assédio -tornará o instituto em (quase) letra morta?

17 de abril de 2013

Cessação do contrato: prescrição, morte e reforma por invalidez

O TRL, neste Acórdão, considerou que:
(i) o prazo de prescrição sucessivamente previsto nos arts. 38.º, n.º1, da LCT, 381.º do CT 2003 e 337.º, n.º1, do CT 2009, se aplica apenas aos créditos directamente emergentes do contrato de trabalho; isto é, ficam excluídos os créditos emergentes de um acordo de revogação do contrato de trabalho, aos quais se aplicará a regra geral da prescrição;
(ii) apesar de ter sido celebrado um acordo de revogação do contrato de trabalho sujeito a termo inicial, os efeitos do contrato de trabalho cessaram por caducidade, em virtude da morte do trabalhador em momento anterior ao da verificação do termo inicial; por conseguinte, o trabalhador não chegou a adquirir o direito à compensação prevista nesse acordo.
O TRL entendeu, ainda, que a reforma do trabalhador antes da verificação do termo inicial constituiria igualmente uma causa autónoma de cessação do contrato de trabalho. Em qualquer dos casos, não haveria enriquecimento sem causa do empregador pelo facto de não pagar a compensação.
Neste outro Acórdão, o TRL apreciou a questão da cessação do contrato de trabalho com a reforma do trabalhador por invalidez. No caso discutia-se se apenas a reforma por invalidez absoluta seria causa de caducidade do contrato de trabalho, na medida em que a invalidez parcial não constituiria uma situação de impossibilidade absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho. Esta posição, segundo nos parece, corresponderia à fusão de causas autónomas de caducidade (art. 343.º, als. b) e c), do CT 2009).
Deste modo, o TRL andou bem ao separar as duas causas de caducidade e ao definir a reforma nos seguintes termos:
A reforma constitui um acto de retirada do trabalhador da vida activa que tem a sua origem num acto voluntário do próprio trabalhador, pois, regra geral, é ele que efectua o correspondente pedido de reforma à entidade competente do respectivo regime de protecção social e através do qual exprime a sua vontade de se retirar da vida activa, para passar a auferir rendimentos, não através da prestação de trabalho, mas sim através do pagamento de uma pensão vitalícia, pelo sistema de protecção social que lhe seja aplicável, por isso, o acto de reforma, seja ela por velhice ou invalidez, actua, como causa autónoma de caducidade do contrato de trabalho, não precisando da verificação dos requisitos da causa de caducidade prevista na alínea b), isto é, de se verificar se o reformado se encontra, ou não, em situação de impossibilidade absoluta e definitiva de prestar a respectiva actividade.
Todavia, o regime de segurança social distingue entre a reforma por invalidez absoluta e relativa (arts. 13.º a 15.º do Decreto-Lei n.º 187/2007). Segundo o TRL, esta diferenciação de regimes no plano da segurança social não tem reflexos laborais, porque, por um lado, o legislador não reflecte essa distinção no art. 343.º, al. c), do CT2009; e, por outro, é o acto de reforma que releva para efeitos de caducidade, independentemente de ter sido com fundamento em velhice ou invalidez, absoluta ou relativa.

16 de abril de 2013

Os efeitos processuais do "auto-despedimento"

Nos termos deste Acórdão do Tribunal da Relação do Porto:
O despedimento referido na alínea a) do artigo 79º do CPT, que determina um grau de recurso independentemente do valor da causa e da sucumbência, é o despedimento em sentido técnico-jurídico, e não o chamado “auto-despedimento”. 
Não é assim admissível recurso nas acções em que se discute a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, que peticiona simples montante indemnizatório, quando o valor da causa é inferior à alçada do tribunal de 1ª instância, ou nos casos em que excedendo-o, o valor da sucumbência é inferior a metade desta alçada.
Segundo o art. 79.º, al. a), do CPT, é sempre admissível recurso para a Relação, independentemente do valor da causa e da sucumbência, nas acções em que esteja em causa a determinação da categoria profissional, o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa e a validade ou subsistência do contrato de trabalho.
O TRP colocou a questão de saber se esta norma abrange apenas o despedimento "em sentido técnico" (subsumível apenas às modalidades de cessação do contrato de trabalho promovidas pelo empregador - art.  340.º, als. c) a f), do CT) ou também a resolução do contrato de trabalho com justa causa (art. 340.º, al. g), CT).
Em primeiro lugar, para o TRP, o legislador não refere a "resolução do contrato", nem o "despedimento do e pelo trabalhador". Em segundo lugar, o legislador não faz referência à discussão da existência de justa causa. Em terceiro lugar, devemos presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º3, do CC) e, como tal, o legislador saberia distinguir entre despedimento e resolução do contrato, logo, apenas quis abranger o despedimento (cessação unilateral do contrato de trabalho promovida pelo empregador). Em quarto lugar, a interpretação deve ter um mínimo de correspondência na letra da lei. Em quinto lugar, a norma visa tutelar os casos de maior gravidade para os interesses do trabalhador; sendo que, no entender do TRP, esses casos não se podem reconduzir a uma questão simplesmente monetária. Ora, no caso do auto-despedimento (denúncia, abandono, resolução), o trabalhador prescinde da estabilidade ou segurança no emprego e fica apenas em discussão a questão da indemnização, a qual deve seguir as regra da alçada e da sucumbência. Em sexto lugar, recorre ainda a um Acórdão do STJ de 6.7.1994, de acordo com o qual: se o pedido se refere só à indemnização por rescisão de contrato a termo, não estão em causa o despedimento e reintegração da trabalhadora, nem a validade do contrato de trabalho, pelo que o valor da acção há-de ser o do pedido de indemnização por aquela rescisão, não sendo aplicável o nº 3 do art. 74º do CPT”.
Este Acórdão está bem fundamentado, mas temos algumas dúvidas quanto à sua adequação prática. Senão vejamos:
É certo que, para o TC, a CRP não garante o direito a segundo grau de jurisdição, o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador a consagração geral do acesso a diferentes graus de jurisdição e não impede que o valor das alçadas seja o critério a adoptar em alguns casos (cfr. aqui e aqui). 
Todavia, permanecem algumas questões,
- a resolução com justa causa tem efeitos ao nível das prestações sociais (arts. 8.º, n.º1, 9.º, n.º1, al. c), e n.º 5, do Decreto-Lei n.º 220/2006), sendo discutível se a procedência ou improcedência da acção terá efeitos no afastamento da presunção estabelecida no n.º 5 do art. 9.º.
- nos casos de "despedimento em sentido técnico-jurídico, será de recusar a aplicação da garantia de recurso sempre que o trabalhador opte apenas pela indemnização em substituição da reintegração (redução teleológica?)?
- a garantia constitucional prevista no art. 53.º da CRP abrange a protecção do trabalhador contra a privação arbitrária do emprego (cessação do contrato de trabalho) (cfr. aqui) e os casos de subsistência ou insubsistência da relação de trabalho (cfr. aqui) e garante a reintegração do trabalhador (cfr. aqui);
- a resolução do contrato de trabalho será uma manifestação inequívoca de que o trabalhador prescinde da segurança no emprego? E no caso em que o empregador alega abandono, não será de garantir uma segunda instância?
- não será o despedimento "em sentido técnico-jurídico" também um tipo de resolução do contrato?
- à resolução do contrato de trabalho não são aplicáveis as normas do despedimento com justa causa (art. 391.º, n.º4, CT)?
- o despedimento não será um conceito-quadro, típico do Direito do trabalho, que abrange todas as modalidades de cessação (unilateral) do contrato de trabalho (vg. art. 393 CT)?
Em nosso entender, a norma do art. 79.º, al. a), CPT, abrangerá as situações de despedimento (em sentido amplo), sem necessidade de distinção ou de redução teleológica.
Fica uma questão para resolver posteriormente: no caso de transmissão da unidade económica será aplicável a parte final da al. a) do art. 79.º do CPT?

15 de abril de 2013

O uso privado e os centros de cópias


Este texto vem na sequência de uma conferência proferida por José Alberto Vieira no passado sábado, no âmbito do IV Curso Pós-Graduado de Direito Intelectual organizado pela APDI, sob o tema "Cópia privada e regra dos três passos". Pretendemos apenas deixar algumas notas superficiais e ainda em fase exploratória sobre a reprodução de livros e revistas em centros de cópias.
O seguinte aviso é algo frequente nos centros de cópias:
Informamos que, conforme regulamentado pela Lei dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, não é permitida a cópia parcial ou integral de Livros, Folhetos, Revistas ou Jornais.
Fica a questão: o proprietário de um livro ou revista não pode fotocopiá-lo ou digitalizá-lo, total ou parcialmente (por exemplo, para poder fazer as anotações que entender sem danificar o "original" ou para poder tê-lo disponível para leitura no tablet)? Em caso afirmativo, só o poderá fazer com meios próprios?
Com efeito, aquele que adquire um livro pode lê-lo, revendê-lo, oferecê-lo e divulgá-lo junto do seu círculo de amigos e familiares (Dias Pereira, parece limitar estas utilizações apenas ao meio familiar, "A reprodução para uso privado no ambiente analógico e no ambiente digital", Direito da Sociedade da Informação, VII (2008), 337, 348). Não negamos que a utilização do livro, pelo seu dono, pode ter reflexos na situação jurídica do titular de direitos de exclusivo (Peter Lutz, Grundriss des Urheberrecht (2009), 152).
O uso privado tem sido qualificado como elemento exterior ao direito intelectual / direito de utilização livre / zona livre (por exemplo, Oliveira Ascensão) ou como limite ao direito intelectual (por exemplo, José Alberto Vieira). O segundo caminho tem vindo a sedimentar-se ao longo dos anos - dentro e fora de portas - e tem sido acompanhado pela criação de um sistema de remuneração institucional (entre nós, Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, alterada e republicada pela Lei n.º 50/2004, de 24 de Agosto; sobre este sistema pronunciou-se o TC; em 2012 foi discutida a sua alteração na AR; trata-se de uma matéria em discussão na União Europeia.). 
É curioso verificar que o advento da tecnologia (e consequentemente a facilidade de multiplicação dos suportes) tem justificado a restrição do uso privado e, inversamente, o alargamento (quase em mancha de óleo) do direito intelectual (de exclusivo) (nesse sentido, Oliveria Ascensão, "O "fair use" no Direito Autoral", Direito da Sociedade da Informação, IV (2003), 90, 101-103, Dias Pereira, "A reprodução para uso privado no ambiente analógico e no ambiente digital", Direito da Sociedade da Informação, VII (2008), 356 ss., José Alberto Vieira, "Download de obra protegida pelo Direito de Autor e uso privado", Direito da Sociedade da Informação, VIII (2009), 447 ss.).
Recordemos apenas os casos dos gravadores de vídeo e das fotocopiadoras.
Há quase trinta anos o Supreme Court dos EUA decidiu que a comercialização de gravadores de vídeo não constituía uma violação dos direitos de autor, com base na tese do fair use; sendo que o direito intelectual em apreço não abrangeria o uso privado. Por outro lado, aquela tecnologia podia comportar uma utilização lícita e ilícita, não tendo o produtor responsabilidade pelas utilizações feitas pelo consumidor. Por conseguinte, a tecnologia, em si, não seria lícita ou ilícita; apenas o seu uso (Sony Corp. v. Universal City Studios - 464 U.S. 417 (1984)
Na mesma altura, o Supremo Tribunal alemão afastou o uso privado no caso das fotocópias destinadas à formação ou estudo, tendo considerado que aquele que gere um centro de cópias é obrigado a tomar as medidas necessárias para eliminar ou reduzir o risco de reprodução não autorizada de obras protegidas (BGH 9.6.1983, I ZR 70/81, GRUR 1984, 54 ss. (Kopierläden)). Em 2008, o BGH pronunciou-se no mesmo sentido (BGH 20.11.2008, I ZR 62/06, aqui), tendo considerado que um centro de cópias no qual os trabalhadores têm ordens para apenas fotocopiar obras não protegidas por direitos autorais reduz substancialmente o risco de violação dos direitos de exclusivo.
Na linha de José Alberto Vieira (José Alberto Vieira, "Download de obra protegida pelo Direito de Autor e uso privado", Direito da Sociedade da Informação, VIII (2009), 450 ss.), diríamos que a pessoa singular pode ser titular do direito ao uso privado da obra protegida - v.g. quando tenha adquirido um exemplar -, constituindo este um limite aos direitos de exclusivo sobre aquela (arts. 75.º, n.º2, al. a), 81.º, al. b), 189.º, n.º1, al. a), 221.º, n.ºs 1 e 8, CDADC). O direito ao uso privado abrangerá a reprodução total ou parcial, analógica ou digital, da obra protegida, feita pelo proprietário ou por terceiro a seu pedido, para finalidades pessoais ou familiares (o que exclui finalidades económicas, comerciais ou profissionais). 
Pode colocar-se a questão de saber em que termos deve o centro de cópias proceder  perante o risco de violação dos direitos de exclusivo autorais. Por um lado, o referido centro não pode dispor de cópias (analógicas e digitais) de obras protegidas para disponibilização ao público, visto que não estaria abrangido pelo uso privado. Por outro lado, não deve recusar os serviços de cópias de obras que sejam apresentadas pelo proprietário do exemplar "a fotocopiar" - sendo que o possuidor goza da presunção da titularidade do direito (1268.º, n.º1, CC) -, o qual beneficia do direito de uso privado da obra.
É certo que não se proíbem as tecnologias, mas as interpretações restritivas do uso privado e a jurisprudência das cautelas podem levar a inutilização daqueles meios para um acesso mais fácil aos bens culturais. A questão permanecerá em aberto.

13 de abril de 2013

Celebração de contrato de trabalho a termo: excepcionalidade mitigada?

Para o STJ, neste Acórdão, a celebração de contrato de trabalho a termo tem sempre natureza excepcional e resulta de uma relação de equilíbrio entre a estabilidade e segurança no emprego (art. 53.º CRP) e as exigências de gestão empresarial (fundadas na liberdade de iniciativa económica prevista no art. 61.º, n.º1, CRP)
O STJ apreciou a questão da (in)validade de um contrato de trabalho a termo celebrado com fundamento em serviço determinado precisamente definido e não duradouro (art. 129.º, n.º2, al. g), CT 2003, art. 140.º, n.º2, al. g), CT 2009): prestação da actividade de assistência a clientes nos lanços da auto-estrada que integram a concessão.
Para o STJ, não assume natureza temporária ou ocasional uma actividade que corresponda às atribuições normais ou regulares da empresa. Todavia, deve atender-se à natureza e duração (temporal) da actividade concretamente prosseguida, para cujo desempenho se contrata mão-de-obra, que se concluirá se se trata (ou não) de uma necessidade temporária.
Ora, como bem refere o STJ, a mera celebração, entre o empregador e um terceiro, de um contrato de prestação de serviço/s com natureza temporária (...) não justifica, por si só, que a contratação a termo do trabalhador vise satisfazer uma necessidade temporária do empregador, visto que seria, no mínimo, desconforme admitir que a celebração de contratos de prestação de serviço/s (temporários), no contexto de uma empresa que se dedica à prestação de serviços a terceiros, (…que por natureza sempre serão mais ou menos temporários), dispensasse o empregador de demonstrar por que razão, no âmbito dessa sua actividade, aquela concreta prestação de serviços representa uma necessidade ocasional, temporária, da sua actividade, e assim viabilizasse, sem mais, o recurso à sistemática vinculação precária.
Em suma, tendo sido o trabalhador contratado para prestar serviços enquadrados na actividade normal do empregador, a aposição do termo ao contrato de trabalho com o fundamento acima referido deve ser considerada inválida.
Parece-nos, nesta parte, uma decisão irrepreensível. Contudo, coloca-se a questão de saber se o ponto de partida do STJ será o mais adequado, isto é, se o contrato de trabalho tem natureza excepcional (com o conjunto de valorações que esta afirmação comporta). É certo que o contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita (art. 141.º CT 2009) e que a sua celebração deve respeitar as situações de admissibilidade previstas no art. 140.º do CT 2009. Todavia, o legislador não estabeleceu qualquer numerus clausus, mas, ao invés, uma cláusula geral (art. 140.º, n.º1, CT 2009) e identificou um conjunto de situações exemplificativas (art. 140.º, n.º2, CT 2009). Infelizmente não conhecemos (provavelmente por culpa própria) casos jurisprudenciais de contratos de trabalho a termo sem referência expressa aos casos típicos, cuja celebração tenha sido apenas fundamentada na cláusula geral. Haverá assim um caminho a percorrer: o desenvolvimento e autonomização da cláusula geral.

12 de abril de 2013

Associações públicas profissionais: entre o Direito da concorrência e a liberdade de escolha de profissão

Neste Acórdão, de 28/02/2013, o TJ foi chamado a pronunciar-se sobre o sistema de formação obrigatória dos técnicos oficiais de contas na "nossa" Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (OTOC). Na origem deste caso está uma decisão da Autoridade da Concorrência (AdC) que identificou práticas restritivas da concorrência e abuso de posição dominante (arts. 101.º e 102.º TFUE) por parte daquela associação pública profissional (APP). O Tribunal do Comércio de Lisboa declarou a existência de práticas restritivas da concorrência que não se mostravam, sequer, justificadas pela necessidade de garantir o bom exercício da profissão; mas anulou a decisão da AdC na parte relativa ao abuso de posição dominante. 
O TJ, no âmbito do reenvio prejudicial submetido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, considerou o seguinte:
Em primeiro lugar, os técnicos oficiais de contas exercem uma actividade económica e constituem uma empresa para efeitos do art. 101.º TFUE, independentemente da natureza complexa e técnica dos serviços prestados e da regulamentação da sua actividade.
Em segundo lugar, o dever de frequentar uma formação segundo as modalidades fixadas pela APP está estritamente ligado ao exercício da sua actividade profissional, na medida em que a sua violação podia determinar a aplicação de sanções disciplinares como a suspensão ou a expulsão da referida associação.
Em terceiro lugar, esta decisão da APP pode ser susceptível de impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência (art. 101.º, n.º1, TFUE) nos mercados onde os seus membros exercem a actividade e onde a APP exerça uma actividade económica (v.g. formação profissional). 
Em quarto lugar, a adopção deste tipo de regulamentos não resulta de prerrogativas típicas de poder público da APP, mas, ao invés, da actuação típica de uma entidade reguladora de profissões cujo exercício constitui uma actividade económica.
O TJ concluiu que um regulamento de formação adoptado por uma APP deve ser considerado como uma decisão tomada por uma associação de empresas (art. 101.º, n.º 1, TFUE), independentemente das seguintes circunstâncias:
(i) A APP ser legalmente obrigada a instituir um sistema de formação obrigatória, desde que as normas aprovadas lhe sejam exclusivamente imputadas;
(ii) As normas não terem influência directa na actividade económica dos membros da APP, visto que a infracção em apreço dizia respeito a um mercado no qual a APP exercia uma actividade económica.
Para o TJ, um regulamento que institui um sistema de formação obrigatória para garantir a qualidade dos serviços prestados pelos membros da APP constitui uma prática restritiva proibida pelo art. 101.º TFUE, desde que:
(i) elimine a concorrência numa parte substancial do mercado pertinente, em proveito da APP;
(ii) imponha na outra parte desse mercado condições discriminatórias em detrimento dos concorrentes da referida ordem profissional.
As APP's exercem funções de extrema relevância económica e social, na medida em que - em áreas de elevada complexidade técnica e responsabilidade social - promovem a garantia da qualidade dos serviços prestados pelos profissionais habilitados (cédula profissional), através do controlo do acesso e do exercício da profissão. Este sistema parte do pressuposto de que os profissionais habilitados pela APP são aqueles que estão em melhores condições para garantir a qualidade e a segurança dos serviços prestados à comunidade (v.g., médicos, engenheiros, notários, advogados, revisores oficiais de contas, técnicos oficiais de contas, etc.) e para verificar o cumprimento das normas legais, técnicas e deontológicas aplicáveis à actividade. O exercício destas atribuições deve ser, no entanto, acompanhado (de perto) pelos órgãos de soberania (em especial, pelos tribunais) em matérias essenciais como a livre concorrência ou a liberdade de escolha de profissão. 
No que toca à liberdade de escolha de profissão, recordemos, nesta sede, os importantes acórdãos do Tribunal Constitucional relativos à actuação da Ordem dos Advogados (aquiaqui).
Uma nota final. Estas preocupações encontram-se vertidas na nova lei-quadro das associações públicas profissionais, nomeadamente nos arts. 6.º, 8.º, 14.º, 17.º a 19.º, 23.º a 33.º, 36.º a 38.º, sendo, por isso, de aguardar pela aprovação e implementação dos novos estatutos das APP's.

11 de abril de 2013

A presunção de aceitação do despedimento (colectivo)

De acordo com este Acórdão do STJ, ainda antes da reforma de 2009, a presunção (art. 401.º, n.º4, do CT 2003) não podia ser afastada através de mera declaração do trabalhador - ainda que acompanhada da impugnação judicial -, visto que o recebimento da compensação e a sua não devolução corresponderiam a uma revogação tácita da primeira declaração. Com efeito, o trabalhador devia declarar ao empregador a não aceitação do despedimento e manifestar a sua intenção de impugná-lo e adoptar um comportamento coerente com essa intenção - por força do princípio da boa fé -, isto é, recusar e devolver o montante da compensação ao empregador.
O CT 2009 estabeleceu que esta presunção pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida (art. 366.º, n.º5). Naturalmente que esta devolução não abrange as denominadas "contas finais", mas apenas a compensação devida pelo despedimento colectivo.
O CT 2012 procedeu a ligeiros ajustes por força da (eventual) criação de um fundo de compensação ou mecanismo equivalente.
Frequentemente, o empregador procede ao pagamento da compensação e das denominadas "contas finais" através de transferência bancária. Neste caso, logo que tome conhecimento, por qualquer meio (v.g. consulta do extracto bancário através do multibanco), o trabalhador deve comunicar ao empregador o recebimento da compensação e a sua intenção de impugnar o despedimento, bem como proceder à devolução (imediata?) da compensação, nomeadamente através de transferência bancária. Em qualquer caso, o legislador deixa, ainda, algum espaço para a definição do momento da devolução ("em simultâneo").
Segundo este Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a compensação deve ser devolvida por inteiro e deve verificar-se pouco tempo depois (prazo curto) da sua disponibilização na conta do trabalhador; não sendo de admitir que o trabalhador se sirva, ainda que parcialmente, da compensação ou que proceda à sua devolução em prestações (salvo em caso de insolvência). No caso decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, o trabalhador devolveu a compensação apenas dois meses depois da disponibilização na sua conta bancária. O Tribunal considerou a devolução intempestiva, atendendo à letra da lei e às facilidades de acesso à conta bancária pelos seus titulares (homebanking, multibanco, agências bancárias, extractos mensais).

10 de abril de 2013

Direito do trabalho: uma negociação permanente?


O Direito do trabalho encontra a sua fonte da juventude na concertação económica e social que lhe garante uma permanente vitalidade e uma capacidade de adaptação às (novas) questões sociais. Neste plano, é, aliás, comum referir-se a importância do "diálogo social" entre os representantes dos empregadores e dos trabalhadores sob o patrocínio dos Estados ou das Organizações Internacionais - v.g. aqui e aqui -, nomeadamente como método para a identificação dos problemas, a discussão de soluções e o reforço da coesão social.
Os empregadores e os trabalhadores são os actores que melhor conhecem as dificuldades e oportunidades do "mercado de trabalho" - embora o trabalho não seja uma mercadoria (Declaração de Filadélfia 1944) -, sendo, portanto, fundamental que as soluções legais resultem da participação activa e interessada dos Parceiros Sociais ao nível da "legislação do trabalho", mas também ao nível de uma (desejável?) integração de políticas activas e passivas do "mercado de trabalho" e de políticas fiscais e de segurança social.
Este "diálogo social" pressupõe a boa fé nas negociações e a assumpção das responsabilidades pelas soluções encontradas ou pela fuga (sistemática) a qualquer tipo de pacto ou compromisso.
Entre nós, no âmbito da Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS) - a qual integra o Governo, e (a maioria?) das Confederações Patronais CIP, a CAP, a CCP e a CTP) e das Confederações Sindicais (UGT e CGTP) - foram celebrados vários acordos sobre áreas sociais, económicas e fiscais (ou para-fiscais) que são absolutamente fundamentais para um conhecimento mais aprofundado da occasio legis da legislação laboral portuguesa das últimas três décadas:
Recomendação sobre Política de Rendimentos para 1987;
Acordo sobre Política de Rendimentos para 1988;
Acordo Económico e Social 1990;
Acordo de Política de Formação Profissional 1991;
Acordo de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho 1991;
Acordo de Política de Rendimentos para 1992;
Acordo de Concertação Social de Curto Prazo (1996);
Acordo de Concertação Estratégica 1996-1999;
- Acordo sobre Modernização da Protecção Social e Acordo sobre a Introdução de Limites Opcionais às Contribuições para o sistema de Repartição (2001);
Acordo sobre Política de Emprego, Mercado de Trabalho, Educação e Formação (2001);
Acordo sobre Condições de Trabalho, Higiene e Segurança no Trabalho e Combate à Sinistralidade (2001);
Acordo Bilateral visando a Dinamização da Contratação Colectiva (2005);
Acordo Bilateral sobre Formação Profissional (2006);
Acordo sobre as Linhas Estratégicas de Reforma da Segurança Social (2006);
Acordo sobre a Reforma da Segurança Social (2006);
Acordo sobre a Fixação e Evolução da Remuneração Mínima Mensal Garantida (RMMG) (2006);
Acordo para a Reforma da Formação Profissional (2007);
Acordo Tripartido para um novo Sistema de Regulação das Relações Laborais, das Políticas de Emprego e da Protecção Social em Portugal (2008);
Acordo Tripartido para a Competitividade e Emprego (UGT, CAP, CCP, CIP e CTP) e Declaração Conjunta sobre um Acordo Tripartido para a Competitividade e Emprego (UGT, CCP, CIP e CTP) (2011);
Acordo tripartido "Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego" (2012).
Seria, porventura, interessante saber qual é a percentagem de conversão das medidas previstas nestes acordos em leis. Todavia e, em qualquer caso, o método negocial deve prevalecer sobre soluções ideais ou importadas de outros contextos, na medida em que o respeito pela cultura e pela estrutura sócio-económica nacionais constitui o primeiro pilar da "paz social" ou da "coesão nacional".